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segunda-feira, 3 de junho de 2019

Usei o Rappi pela primeira vez para pedir um chá e você não vai acreditar no que aconteceu

Às vezes a gente tem que dizer ok pro capitalismo tardio.

Nunca tinha usado o aplicativo Rappi. O conceito de "delivery de qualquer coisa" sempre me causou certo desconforto, que se provou fundamentado depois dessa matéria sobre a rotina dos entregadores, e só o fato do ícone do aplicativo ser um bigode já dá indícios que esse negócio de "delivery de inovação" deve ser coisa de arrombado.

"'A nossa ambição é ser o super aplicativo da América Latina,' disse Ricardo Bechara, co-fundador e diretor de expansão e operações da Rappi Brasil. (Fonte: AmCham)

Navegar pela interface do aplicativo Rappi, com todas as possibilidades que ele oferece - de entrega rápida de camisinhas até a perspectiva de alguém ir ali no banco tirar dinheiro pra você - é uma das experiências mais distópicas que se infiltraram no nosso cotidiano. A estratégia de gamificação embutida no aplicativo Rappi, louvada pelos nossos guerreiros do LinkedIn (claro), me faz desconfiar que estamos pagando caro demais para viver no ano 2037.



Mesmo com todas as tentativas do aplicativo Rappi de me seduzir através do envio de rappicréditos de grandes valores todos os dias, valores que envergonhariam os cupons de R$10 do aplicativo iFood, consegui resistir por bastante tempo. Não me considero acima da condição de aceitar coisas de graça, principalmente comida, mas o aplicativo Rappi é um limite que eu realmente não estava disposta a ultrapassar. Não se pode dar o primeiro gole, etc.

Então eu fiquei gripada.

"O diabo mora nos detalhes", já dizia Leroy, ilustre participante de Instant Hotel, e é por essas frestas que o aplicativo Rappi consegue entrar na sua vida. Semana passada fiquei gripada e depois de passar o dia espirrando e tossindo nas dependências da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, concluí que precisava de um chá para sobreviver à aula do turno da noite.

Mas eu não queria um simples chá de sachê como os disponíveis nas cantinas mais próximas, eu queria um chá diferente, especial, um chá que fosse como um abraço de mãe vendido por grandes corporações. Como se lesse meus pensamentos, o aplicativo Rappi me enviou R$30 em rappicréditos que deveriam ser usados até às 20h59 daquele mesmo dia. Foi então que me despi do meu orgulho e abracei o capeta: não apenas pedi um chá usando o aplicativo Rappi, como pedi um CHAI LATTE direto no STARBUCKS. E um croissant, porque fiquei com vergonha de pedir só um chá.

Com os meus rappicréditos o valor da compra ficou em R$0,30, com mais R$4,00 de gorjeta para Valdinei, o entregador.

(Foto: acervo pessoal)

A odisseia entre o pedido e a entrega via aplicativo Rappi demorou uns 50 minutos, provavelmente o tempo que eu levaria pra ir até em casa fazer um chá no conforto do meu lar ou ir a pé até a unidade mais próxima da Starbucks. É muito, mas está dentro da margem de tempo prometida pelo serviço, foi o tempo que eu precisava pra ler o texto da aula, e esse é o preço que se paga por ser uma grande arrombada pela comodidade.

O delivery de fato demorou cerca de 10 minutos, o que foi muito bom, já que tanto o chá como o croissant chegaram bem quentinhos. O chai latte veio no clássico copo de papel da Starbucks, só que com a abertura vedada com plástico, impedindo que o líquido fosse derrubado no percurso - um dos meus receios iniciais. O gosto era exatamente o do conforto artificial vendido por grandes corporações que eu tanto precisava, idem para o croissant.

Acho importante levar isso em conta na hora de avaliar o que é servido por essas franquias, e dosar as expectativas de acordo, mas os preços da Starbucks são uma afronta a esse pacto civilizatório do fast food. Sem os rappicréditos essa palhaçada custaria R$30,30, e eu jamais repetiria a experiência nesses termos. Importante dizer que não recebi mais nenhum rappicrédito até o fechamento desta edição.


Quando contei sobre a experiência para uma amiga, ela disse: faltou uma consciência de classe aí, hein?, e eu até desisti de ir pra aula depois dessa. Mas eu estava gripada e defendo minhas escolhas. Às vezes a gente precisa dizer ok pro capitalismo tardio.

Aplicativo Rappi: 7/10
Starbucks: 6/10
Anna Vitória: 2/10

quarta-feira, 22 de maio de 2019

Não é sequestro nem tráfico de órgãos, é só o século XXI: minha viagem de Buser

Graças ao Twitter descobri a nova indústria que a precarização do trabalho no capitalismo tardio os millennials irão destruir: os ônibus de viagem. Semana passada viajei de Buser pela primeira vez.

"Viaje de ônibus com 60% de economia", essa é a promessa do aplicativo que conecta pessoas que vão viajar para o mesmo destino com empresas de ônibus de viagem executiva, o famoso FRETADO. Ah, a economia compartilhada! Ainda segundo o site: "Nossa tecnologia compartilhada e sustentável fomenta a mobilidade no Brasil, criando uma nova opção de transporte segura, de qualidade e a preços justos. Assim como já aconteceu no transporte privado por aplicativo nas cidades, é hora do transporte intermunicipal mudar para melhor. E para sempre."


Na prática, é como se você fosse chamar um Uber Juntos pra fazer uma viagem intermunicipal.

Assim como nem sempre você vai encontrar pessoas que estejam indo na mesma direção que você no Uber Juntos, pra viagem no Buser rolar você precisa encontrar um grupo disponível na data e no destino que você quiser, o que nem sempre vai acontecer. Imagino que nas capitais seja mais tranquilo - São Paulo e Rio, por exemplo, têm ônibus todos os dias - mas para o interior, como é o meu caso, só encontrei viagens sexta, domingo e terça, num único horário. Não precisa lotar o ônibus, mas quanto mais gente confirmada, mais barata a viagem fica.

"Ai mas é barato mesmo?"

Minha viagem de São Paulo (SP) para Uberlândia (MG) pelo Buser saiu por R$119,00 o trecho, num ônibus leito. Numa viação tradicional, como a Rode Rotas, esse trajeto sairia por R$207,77 (leito) ou R$149,72 (executivo), o que é razão suficiente pra pegar em armas. Além disso, a primeira viagem de Buser sai por R$10 (sim) e a cada amigo convidado você ganha R$10 de desconto em viagens futuras, as famosas BUSEDAS BUEDAS. Não acredito que não tinha ninguém na sala pra pensar num nome melhor que esse.

Economizar dinheiro é sempre bom, mas a maior vantagem do Buser pra mim veio pelo conforto mesmo. Veja bem, meu caráter foi moldado por longas viagens interestaduais de ônibus. Quando era criança acompanhava minha avó nas colônias de férias da terceira idade ou quando ela viajava para visitar meus primos no estado de São Paulo, sempre de ônibus; já fiz viagens que duraram quase 20 horas em ônibus da universidade e lembro delas como ótimas experiências; ano passado eu viajava quase toda semana. Se eu pudesse escrever qualquer livro já escrito, numa perspectiva realista, acho que escreveria O Livro Amarelo do Terminal, da Vanessa Barbara, sobre a rodoviária do Tietê.

Quase tudo que alguém pode viver dentro de um ônibus eu já vivi, e ainda assim tenho mais medo de viajar de avião do que de ônibus, mesmo que todas as estatísticas digam o contrário. Só que eu ando de saco cheio.

Primeiro, os preços: com as taxas, uma viagem para Uberlândia (MG) custa mais de R$300,00 num ônibus executivo da pior qualidade que vai demorar de 7h a 12h (segundo estimativas do site) pra chegar ao seu destino. É oficialmente mais caro que uma viagem de avião, que dura 50 minutos, mas nem sempre consigo me planejar com a antecedência necessária para conseguir boas tarifas. Pra quem viaja muito o leito está fora de cogitação, então é uma viagem de 7h a 12h (na média, 10h) passando frio numa poltrona desconfortável que nem me cabe direito com a perspectiva de passar a noite em claro e perder duas horas no congestionamento da Anhanguera.


Sempre que começo a falar sobre a Rode Rotas

Com o Buser me senti viajando de primeira classe. Tem travesseiro, mantinha e uma cortininha separando as poltronas, que deitam bastante e estão a uma diferença razoável uma da outra, o suficiente para eu conseguir esticar minhas pernas compridas. Os assentos não são marcados, então recomendo chegar uns 40 minutos mais cedo para garantir as poltronas individuais. Além da segurança de saber que não tem um homem do seu lado, a privacidade é útil para quem emenda compromissos e vai direto viajar: tirei a maquiagem, passei meus cremes e ainda consegui tirar o sutiã por dentro da roupa sem maiores constrangimentos.

O wi-fi prometido, pelo menos no ônibus que peguei, só funciona no perímetro urbano (kkk) e até tem tomada pra colocar o carregador, mas elas ficam numa estrutura fixa no fundo do veículo. Pra mim um dos principais atrativos de longas viagens de ônibus é ter a chance de passar horas incomunicável, sem ninguém me encher o saco, de modo que isso pra mim é mais uma vantagem oferecida pelo Buser.

Dentro do Buser (acervo pessoal)

Outra grande vantagem é o tempo: no Buser, a duração prevista para a viagem é de 9h, mas nas duas viagens que fiz ele chegou em 7h. Esse é o tempo para esse trajeto numa viagem de carro, perfeitamente razoável para um percurso de cerca de 600 km.

Em São Paulo, o Buser sai de um estacionamento na rua Voluntários da Pátria, perto do terminal do Tietê. Se você vai de metrô até a rodoviária são uns cinco minutos andando e até eu que sou idiota achei fácil sem me perder. No entanto, se você é uma mulher viajando sozinha, fazer esse caminho à noite não é a experiência mais tranquila do mundo. Como disse, a chegada estava prevista para às 6h, mas o ônibus chegou às 4h, e a rua Voluntários da Pátria é um lugar onde você definitivamente não quer estar às quatro da manhã. Consegui chamar um Uber ainda na marginal e quando desci ele já estava lá, o que é uma boa alternativa (vale colocar o relógio pra despertar), e também é possível combinar com os outros passageiros de todos irem juntos até o Tietê, que foi o que as pessoas fizeram.

Como não contava com essa rapidez, na ida aconteceu comigo a pior coisa que pode acontecer com alguém: esqueci os fones de ouvido na poltrona. Isso só rolou porque o ônibus também chegou antes do horário previsto (às 4h30 da manhã) e eu estava dormindo tão profundamente que desci sem entender o que estava acontecendo. Numa viagem da viação Rode Rotas, 4h30 da manhã costuma ser o horário em que estou num Graal da BR 050 questionando as minhas decisões de vida, ainda dentro do estado de São Paulo, então vou considerar tudo isso como ponto positivo apesar dos fones (RIP).

Nem lembro a última vez que realmente dormi num ônibus antes do Buser.


Quando contei pra minha mãe ela achou que eu tava metida com ônibus clandestino, mas segundo levantamento do veículo TechTudo o Buser faz parcerias com empresas de ônibus regulares, que pagam ao aplicativo uma comissão, e é assim que o esquema se sustenta. Segundo o site, "a companhia também se responsabiliza pela qualidade dos veículos contratados – os transportes precisam passar por uma auditoria para fazer parte da plataforma. Itens como idade do veículo e histórico de manutenção dos ônibus são avaliados."

A parte que não contei pra minha mãe é que a viagem inteira é feita com um único motorista, que viaja sozinho*, e ele não parecia muito preocupado em conferir a identidade dos passageiros na hora de embarcar. Esses foram os aspectos que me deixaram mais cabreira, mas como já estava lá mesmo fiz a única coisa que poderia fazer no momento: fingi demência e entreguei pra Deus.

O ônibus partiu pontualmente às 21h02 e foi bonito ouvir todas as pessoas no celular avisando que o ônibus estava saindo, tava tudo certinho, a empresa existia mesmo e não era uma emboscada. Aquele sentimento de comunhão que nos une nesse mundo frio, hostil e cheio de picaretagens, em que tudo aquilo que é bom demais parece só uma forma mais sofisticada de golpe. Na maioria das vezes é isso mesmo, mas seguimos. Repetiria a experiência.

8/10

* Edit: A Iris Figueiredo (que inclusive foi a pessoa que me apresentou o Buser, obrigada Iris!) contou que nas viagens que fez entre São Paulo e Rio de Janeiro o ônibus ia com dois motoristas, diferente do que acontecia quando ela pegava uma viação normal. O trecho São Paulo (SP) e Uberlândia (MG) costuma ter dois motoristas na rodoviária ou então troca no meio do caminho, ou seja, não tem como saber.

Errata: Sei lá como, mas no dia que escrevi esse post li BUSEDAS no lugar de BUEDAS. A moeda fictícia do aplicativo Buser se chama BUEDAS e não BUSEDAS. Peço perdão pela confusão.

>> Esse post não é um publieditorial, mas se você se cadastrar no Buser através do meu link eu ganho R$10 em BUSEDAS BUEDAS para viagens futuras, garantindo visitas regulares ao meu poodle, manutenção de sotaque mineiro e experiências em postos de beira de estrada que podem ser compartilhadas aqui. Ajude essa influencer de baixo orçamento e se cadastre na plataforma mesmo se não for viajar: Clique aqui!