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quarta-feira, 29 de maio de 2019

701U-10 Metrô Santana - Cidade Universitária

Se foi preciso alguma fé para inserir o 809U-10 Cidade Universitária - Metrô Barra Funda na minha vida, o 701U-10 Metrô Santana - Cidade Universitária entrou na minha vida porque, por algum motivo, ele sempre estava por ali. De acordo com o aplicativo Moovit ele passa em intervalos de 20 minutos - uma eternidade no peculiar vórtice de espaço/tempo do ponto de ônibus - mas por algum motivo nossos caminhos sempre se cruzavam. A cada vez que um dos circulares passava lotado e sequer parava no ponto, na sequência vinha um 701U-10 Metrô Santana - Cidade Universitária e eu pensava: putz, por que não ele?

701U-10 Metrô Santana - Cidade Universitária era o melhor amigo da mocinha de comédia romântica (eu), aquele cara legal que está sempre ali, observando calado enquanto ela se ferra dando moral pra algum otário (8012-10 Cidade Universitária - Metrô Butantã).

"Você tá nessa, rejeitada/Caçando paixão/E eu com a cara mais lavada digo/Por que não?"
(Foto: Rogério da Silva Pereira, do portal Ônibus Brasil)
Eis que um dia, cansada de me humilhar num circular lotado, fiz uma breve pesquisa e descobri que, embora não fosse até o Metrô Butantã, o 701U-10 Metrô Santana - Cidade Universitária passava pela Avenida Vital Brasil e parava a dois quarteirões do metrô. Na época eu não tinha direito ao BUSP, então não fazia diferença qual ônibus eu pegaria pra sair da faculdade, era tudo R$4,30 - na época R$3,80 (sdds). Também não estava com pressa, o que depois descobri que também é um fator importante ao se considerar essa linha.

Para descer no metrô, o ponto fica em frente a uma agência do Banco do Brasil, uma boa referência se você é idiota igual eu e sempre desce no lugar errado.

Partindo da ECA até sair da universidade, o 701U-10 Metrô Santana - Cidade Universitária faz um trajeto bem mais longo que os circulares - nunca cronometrei, mas deve ser algo em torno de 15 minutos. Foi pela janela dele que conheci pontos turísticos como o Hospital Universitário e o Instituto Butantan. Para quem quer socializar e dar um close com uma galera das ciências biológicas pode ser uma boa opção, mas se o objetivo é chegar rápido no metrô é melhor repensar.

A rota do 701U-10 Metrô Santana - Cidade Universitária abrange também alguns pontos interessantes de São Paulo: ele passa pela Teodoro Sampaio, para no finalzinho da Paulista, desce pelo corredor da Consolação até o centro, e é possível chegar até a rodoviária do Tietê com ele. Esse percurso até a Paulista costuma demorar uma hora mais ou menos e definitivamente existem jeitos mais rápidos de chegar lá saindo da USP, mas se não estou com pressa - ou quero um tempo sossegado pra ler ou ouvir uns podcasts, so far away - escolho o 701U-10 Metrô Santana - Cidade Universitária por uma questão de conforto e comodidade.

"Se não tem nada pra depois, por que não eu?"
(Foto: Rodrigo M. Correia, do portal Ônibus Brasil)
Na ECA pego o 701U-10 Metrô Santana - Cidade Universitária praticamente vazio, o que sempre é divertido porque o modelo é articulado e, portanto, muito mais espaçoso que os ônibus comuns. Ele também tem ar condicionado e costuma proporcionar uma viagem bem agradável, mesmo quando enche de gente à medida que avança na rota. O fato de ser articulado também dá alguma privacidade para quem senta mais ao fundo, o que faz do 701U-10 Metrô Santana - Cidade Universitária uma boa opção para dates.

Recentemente perguntei no Twitter qual ônibus as pessoas escolheriam para ter um date e ignorei o 701U-10 Metrô Santana - Cidade Universitária na minha resposta. Hoje, no entanto, tal e qual uma mocinha de comédia romântica que olha para o melhor amigo e se pergunta como foi capaz de ignorá-lo por tanto tempo, acho que o 701U-10 Metrô Santana - Cidade Universitária é a resposta mais correta e deixo a sugestão aos jovens universitários. Se a coisa engrenar, dá pra descer no centro, pegar um cineminha ou tomar um café.

Ainda não tive a oportunidade de ter um date no 701U-10 Metrô Santana - Cidade Universitária, mas certa feita, durante o longo percurso que ele faz até chegar no metrô, tive tempo de ler vários horóscopos diferentes e quando cheguei na plataforma sentido Luz criei coragem pra chamar o menino que eu gostava pra sair. Por que não eu?

7/10

sexta-feira, 24 de maio de 2019

Me tornei aquilo que jurei destruir: bebendo em um bar de mackenzistas

Faz pouco mais de dois meses que me mudei pra São Paulo oficialmente, mas em 2016 passei uma temporada na cidade morando num quarto de hotel pago pela firma na Vila Buarque. Eu ia e voltava a pé do treinamento e passava todos os dias pela rua Maria Antônia no caminho volta, o que significa que de quarta a sexta eu precisava enfrentar uma horda de jovens universitários bebendo em pé pra chegar em casa. Não satisfeitos em ocupar as calçadas, eles ocupavam também boa parte da rua, não davam licença, derrubavam cerveja e faziam gracinha quando eu passava impaciente e de cara fechada no meio de alguma roda. Foi o inverno mais rigoroso de São Paulo dos últimos 20 anos e eu era uma jovem jornalista cansada que só queria tomar uma sopa barata e chegar logo no meu quartinho.

Essa experiência me deu local de fala para odiar o Mackenzie* e tudo que ele representa.

Apesar do Mackenzie, acabei me apegando muito a essa região, e ainda hoje passear por lá me enche de uma nostalgia gostosa desse início de vida na cidade, minha primeira aventura fora de casa e a primeira vez que senti que São Paulo poderia ser minha também. Essa é a única justificativa pra eu ter aceitado tão prontamente e sem questionamentos quando meu amigo sugeriu que parássemos no estabelecimento """Kenzie""" Restaurante e Bar para tomar uma cerveja na última quinta.

Jovens bebendo em pé (Foto: BaresSP)

Segundo o veículo especializado BaresSp:
"O Bar e Restaurante Kenzie foi fundado em 2004, conta com um público jovem e bonito formado pelos universitários da Faculdade Mackenzie e clientes de empresas situadas nas proximidades. Possui um serviço diferenciado de almoço, onde cada dia o restaurante oferece 5 opções extras de pratos, elaboradas pela chef da casa. À noite o destaque fica para as porções que são feitas na hora e servidas quentinhas para o cliente, além de lanches, salgados e todos acompanhados de drinks e cervejas. O estabelecimento trabalha com café expresso onde utilizam grãos 100% arábicos, conferindo um sabor especial ao tradicional cafezinho."
Lendo essa descrição só lembro da seminal crônica de Antonio Prata sobre bares ruins e o fetiche da simplicidade autêntica brasileira. De acordo com a classificação do escritor sobre bares meio ruins, talvez o estabelecimento """Kenzie""" Restaurante e Bar já esteja no estágio de ser frequentado por "meio intelectuais, meio de esquerda, e universitárias mais ou menos gostosas", em vias de ganhar uma matéria na Vejinha. No entanto, uma rápida busca por """Kenzie""" Restaurante e Bar no Google me fez desconfiar que talvez o estabelecimento tenha perdido o momentum necessário para fazer parte da gentrificação do centro expandido de maneira mais concreta. A essência é de um bar universitário, mas como a universidade é o Mackenzie a etnografia se torna mais complexa. Acho que eu era a única mulher no local na última quinta, e portanto a coisa mais próxima de uma universitária mais ou menos gostosa que o ambiente oferecia.

Preciso admitir, contudo, que os universitários do sexo masculino eram mesmo bem bonitinhos. Se você vem do interior, assim como eu, é fácil se emocionar com qualquer barbudinho estiloso que aparece na rua e em estabelecimentos como o """Kenzie""" Restaurante e Bar, ainda que o tempo e a vida na cidade te mostrem que em São Paulo - e principalmente no centro expandido - basta sacudir uma árvore que caem uns 20 do mesmo tipinho, é até difícil diferenciar. Bonitos os rostos enquanto pano de fundo, mas a graça passa quando eles começam a gritar por causa de futebol, o que aconteceu enquanto estive no """Kenzie""" Restaurante e Bar, experiência acompanhada por vários rojões na rua. Não consegui enxergar quem estava jogando na televisão do local.

"Um público jovem e bonito formado pelos universitários da Faculdade Mackenzie e clientes de empresas situadas nas proximidades" (Fonte: BaresSP)

Bom, mas vamos ao que realmente interessa: embora não constasse no cardápio, os litrões disponíveis no dia eram Skol e Brahma, a R$10 cada, um valor dentro da média para a região. Servida no copo americano clássico, a cerveja estava razoavelmente gelada e não tivemos problemas nesse departamento. Infelizmente esse foi o preço mais justo que encontrei em minha experiência no estabelecimento """Kenzie""" Restaurante e Bar. 

O cardápio é bem vasto, com várias opções de prato executivo, sanduíches, porções, drinks e doses. Teoricamente os pratos executivos são servidos apenas no almoço, mas não há informação sobre isso no cardápio, e o garçom que nos atendeu foi um bocado grosso quando meu amigo tentou pedir um nhoque. Depois ele disse que na verdade alguns pratos executivos poderiam ser pedidos (apenas os grelhados), até que ele voltou dizendo que dava pra pedir o nhoque sim.

Meu amigo não sabia, mas a confusão foi o universo tentando dizer que era melhor pedir outra coisa.

O nhoque mais triste do centro expandido de São Paulo (Foto: acervo pessoal)

Não costumo levar a sério todas as opiniões desse meu amigo sobre questões alimentícias pois discordo da maioria dos seus critérios (ele não gosta de queijo), mas o nhoque com iscas de frango estava mesmo difícil de engolir. As unidades de massa eram muito grandes, grossas, e vinham recheadas de um queijo de gosto forte - outra informação que não constava no cardápio - que até eu que gosto bastante de queijo não consegui tolerar. O molho tinha um sabor bem artificial, e a grande ironia é que a parte mais absurda do prato - as iscas de frango - foi a única coisa que prestou.

O nhoque com iscas de frango custou R$22,90, e o valor dos pratos executivos no estabelecimento """Kenzie""" Restaurante e Bar varia entre R$19,90 e R$39,90. Todos os pratos acompanham arroz, feijão, salada e uma "mistura" opcional à escolha do freguês (purê de batata, fritas ou legumes na manteiga). Em São Paulo tudo é caro e o nhoque definitivamente não é a melhor opção nesse setor, mas sabendo escolher e levando em conta a região é possível dizer que dá pra almoçar de forma honesta no estabelecimento """Kenzie""" Restaurante e Bar, ao menos na teoria. Se os pratos são bem servidos ou não terei que descobrir em uma outra oportunidade.



Minha estratégia nessa visita foi escolher algo que estivesse mais alinhado com os pontos fortes da casa, e para minha sorte encontrei uma seção no cardápio em que lia-se ESPECIALIDADES KENZIE. Não tinha comido nada o dia todo e o pastel, meu plano inicial, não oferecia a SUSTÂNCIA necessária para a ocasião. Com isso em mente, o sanduíche chamado de LARICKENZIE me pareceu a melhor opção do cardápio (preciso confessar que um dos fatores que pesou na escolha foi a oportunidade de escrever LARICKENZIE neste diário virtual).

Amigas, que decepção.

Uma ofensa aos lariqueiros desse país (Foto: acervo pessoal)

Pão francês, filé de frango, queijo prato, cebolas refogadas no shoyu e maionese da casa - essa era a promessa do sanduíche LARICKENZIE, que falhou em alcançar seu potencial. O filé de frango era da espessura de uma folha sulfite e as prometidas cebolas refogadas no shoyu se traduziram como uma quantidade assustadora de cebolas num único sanduíche (eu gosto de cebola, mas não vi vantagem). O blend entre o queijo e a maionese da casa salvaram a experiência de ser uma decepção total. Longe de ser um prato indicado para casos de larica, como sugere o cardápio do estabelencimento """Kenzie""" Restaurante e Bar, o sanduíche LARICKENZIE me deixou com fome, e nem era esse o meu estado. Tentei comer um pouco do nhoque com iscas de frango, que meu amigo deixou quase inteiro no prato, mas também não fui feliz.

Agora vem a pior parte, o preço: R$20,90 por um LARICKENZIE ineficiente. Acho que nenhum dos mackenzistas barbudinhos e estilosos presentes no recinto teria a capacidade de me fazer de trouxa nesse nível. 

A grande ironia do nome foi expressa de forma singular pelo meu amigo ao olhar com tristeza seu prato de nhoque:

- Se eu estivesse drogado dava pra bater esse prato inteiro como se fosse a melhor refeição da minha vida. Uma pena.

***

Apesar de não ter tido uma boa experiência, preciso ser justa e reconhecer que, como quase tudo nessa vida, o estabelecimento """Kenzie""" Restaurante e Bar tem um saldo final que é o famoso Vai de Cada Um e do que você espera do seu bar universitário. O acesso fácil pela estação Higienópolis-Mackenzie e os corredores de ônibus da Consolação é um ponto forte a favor e os preços podem ser vantajosos para quem só vai beber ou turmas grandes interessadas em dividir as porções bastante escandalosas de carne. Voltaria no almoço pra experimentar o PF.

Quem busca um ambiente heteronormativo de paquera e azaração também pode se dar bem, mas se você é mulher recomendo paciência e sangue de barata.

"Bom e Barato! Um pouco quente no verão. O Wi-Fi não pega a partir da 3ª mesa, o que acaba sendo uma desculpa para sair e encontrar um (sic) das 501 Mackenzistas da Maria Antônia" (Fonte: Foursquare)

Na condição de pessoa que não gosta de jovem e não gosta de gente, os pontos fortes pra mim foram o preço da cerveja, o banheiro limpo (posso ter dado sorte, mas foi o bar universitário com banheiro mais limpo que já visitei), e as muitas opções de coisas pra comer, que é algo que poucos bares oferecem. Eu sou uma pessoa que precisa comer e é bom ter algo além de batata frita e salgado de estufa. Nesse aspecto, os bares universitários da rua Doutor Cesário Mota Júnior, logo ao lado, deixam a desejar - embora sejam campeões em todo o resto. 

Além disso, a necessidade patológica do jovem de beber em pé na calçada faz com que seja fácil encontrar uma mesa pra sentar e que na parte de dentro o ambiente seja menos insuportável.

5/10

* Depois da última manifestação pela educação eu prometi que não ia mais falar mal de mackenzista como esporte (inclusive tenho amigos que são), de modo que peço que o texto seja lido com o senso de humor necessário. Se você estiver pensando em comentar algo como "nem todo mackenzista não sei o que não sei o que lá" peço por favor que honre a instituição fazendo uso das habilidades de interpretação de texto e me economize.

quarta-feira, 22 de maio de 2019

Não é sequestro nem tráfico de órgãos, é só o século XXI: minha viagem de Buser

Graças ao Twitter descobri a nova indústria que a precarização do trabalho no capitalismo tardio os millennials irão destruir: os ônibus de viagem. Semana passada viajei de Buser pela primeira vez.

"Viaje de ônibus com 60% de economia", essa é a promessa do aplicativo que conecta pessoas que vão viajar para o mesmo destino com empresas de ônibus de viagem executiva, o famoso FRETADO. Ah, a economia compartilhada! Ainda segundo o site: "Nossa tecnologia compartilhada e sustentável fomenta a mobilidade no Brasil, criando uma nova opção de transporte segura, de qualidade e a preços justos. Assim como já aconteceu no transporte privado por aplicativo nas cidades, é hora do transporte intermunicipal mudar para melhor. E para sempre."


Na prática, é como se você fosse chamar um Uber Juntos pra fazer uma viagem intermunicipal.

Assim como nem sempre você vai encontrar pessoas que estejam indo na mesma direção que você no Uber Juntos, pra viagem no Buser rolar você precisa encontrar um grupo disponível na data e no destino que você quiser, o que nem sempre vai acontecer. Imagino que nas capitais seja mais tranquilo - São Paulo e Rio, por exemplo, têm ônibus todos os dias - mas para o interior, como é o meu caso, só encontrei viagens sexta, domingo e terça, num único horário. Não precisa lotar o ônibus, mas quanto mais gente confirmada, mais barata a viagem fica.

"Ai mas é barato mesmo?"

Minha viagem de São Paulo (SP) para Uberlândia (MG) pelo Buser saiu por R$119,00 o trecho, num ônibus leito. Numa viação tradicional, como a Rode Rotas, esse trajeto sairia por R$207,77 (leito) ou R$149,72 (executivo), o que é razão suficiente pra pegar em armas. Além disso, a primeira viagem de Buser sai por R$10 (sim) e a cada amigo convidado você ganha R$10 de desconto em viagens futuras, as famosas BUSEDAS BUEDAS. Não acredito que não tinha ninguém na sala pra pensar num nome melhor que esse.

Economizar dinheiro é sempre bom, mas a maior vantagem do Buser pra mim veio pelo conforto mesmo. Veja bem, meu caráter foi moldado por longas viagens interestaduais de ônibus. Quando era criança acompanhava minha avó nas colônias de férias da terceira idade ou quando ela viajava para visitar meus primos no estado de São Paulo, sempre de ônibus; já fiz viagens que duraram quase 20 horas em ônibus da universidade e lembro delas como ótimas experiências; ano passado eu viajava quase toda semana. Se eu pudesse escrever qualquer livro já escrito, numa perspectiva realista, acho que escreveria O Livro Amarelo do Terminal, da Vanessa Barbara, sobre a rodoviária do Tietê.

Quase tudo que alguém pode viver dentro de um ônibus eu já vivi, e ainda assim tenho mais medo de viajar de avião do que de ônibus, mesmo que todas as estatísticas digam o contrário. Só que eu ando de saco cheio.

Primeiro, os preços: com as taxas, uma viagem para Uberlândia (MG) custa mais de R$300,00 num ônibus executivo da pior qualidade que vai demorar de 7h a 12h (segundo estimativas do site) pra chegar ao seu destino. É oficialmente mais caro que uma viagem de avião, que dura 50 minutos, mas nem sempre consigo me planejar com a antecedência necessária para conseguir boas tarifas. Pra quem viaja muito o leito está fora de cogitação, então é uma viagem de 7h a 12h (na média, 10h) passando frio numa poltrona desconfortável que nem me cabe direito com a perspectiva de passar a noite em claro e perder duas horas no congestionamento da Anhanguera.


Sempre que começo a falar sobre a Rode Rotas

Com o Buser me senti viajando de primeira classe. Tem travesseiro, mantinha e uma cortininha separando as poltronas, que deitam bastante e estão a uma diferença razoável uma da outra, o suficiente para eu conseguir esticar minhas pernas compridas. Os assentos não são marcados, então recomendo chegar uns 40 minutos mais cedo para garantir as poltronas individuais. Além da segurança de saber que não tem um homem do seu lado, a privacidade é útil para quem emenda compromissos e vai direto viajar: tirei a maquiagem, passei meus cremes e ainda consegui tirar o sutiã por dentro da roupa sem maiores constrangimentos.

O wi-fi prometido, pelo menos no ônibus que peguei, só funciona no perímetro urbano (kkk) e até tem tomada pra colocar o carregador, mas elas ficam numa estrutura fixa no fundo do veículo. Pra mim um dos principais atrativos de longas viagens de ônibus é ter a chance de passar horas incomunicável, sem ninguém me encher o saco, de modo que isso pra mim é mais uma vantagem oferecida pelo Buser.

Dentro do Buser (acervo pessoal)

Outra grande vantagem é o tempo: no Buser, a duração prevista para a viagem é de 9h, mas nas duas viagens que fiz ele chegou em 7h. Esse é o tempo para esse trajeto numa viagem de carro, perfeitamente razoável para um percurso de cerca de 600 km.

Em São Paulo, o Buser sai de um estacionamento na rua Voluntários da Pátria, perto do terminal do Tietê. Se você vai de metrô até a rodoviária são uns cinco minutos andando e até eu que sou idiota achei fácil sem me perder. No entanto, se você é uma mulher viajando sozinha, fazer esse caminho à noite não é a experiência mais tranquila do mundo. Como disse, a chegada estava prevista para às 6h, mas o ônibus chegou às 4h, e a rua Voluntários da Pátria é um lugar onde você definitivamente não quer estar às quatro da manhã. Consegui chamar um Uber ainda na marginal e quando desci ele já estava lá, o que é uma boa alternativa (vale colocar o relógio pra despertar), e também é possível combinar com os outros passageiros de todos irem juntos até o Tietê, que foi o que as pessoas fizeram.

Como não contava com essa rapidez, na ida aconteceu comigo a pior coisa que pode acontecer com alguém: esqueci os fones de ouvido na poltrona. Isso só rolou porque o ônibus também chegou antes do horário previsto (às 4h30 da manhã) e eu estava dormindo tão profundamente que desci sem entender o que estava acontecendo. Numa viagem da viação Rode Rotas, 4h30 da manhã costuma ser o horário em que estou num Graal da BR 050 questionando as minhas decisões de vida, ainda dentro do estado de São Paulo, então vou considerar tudo isso como ponto positivo apesar dos fones (RIP).

Nem lembro a última vez que realmente dormi num ônibus antes do Buser.


Quando contei pra minha mãe ela achou que eu tava metida com ônibus clandestino, mas segundo levantamento do veículo TechTudo o Buser faz parcerias com empresas de ônibus regulares, que pagam ao aplicativo uma comissão, e é assim que o esquema se sustenta. Segundo o site, "a companhia também se responsabiliza pela qualidade dos veículos contratados – os transportes precisam passar por uma auditoria para fazer parte da plataforma. Itens como idade do veículo e histórico de manutenção dos ônibus são avaliados."

A parte que não contei pra minha mãe é que a viagem inteira é feita com um único motorista, que viaja sozinho*, e ele não parecia muito preocupado em conferir a identidade dos passageiros na hora de embarcar. Esses foram os aspectos que me deixaram mais cabreira, mas como já estava lá mesmo fiz a única coisa que poderia fazer no momento: fingi demência e entreguei pra Deus.

O ônibus partiu pontualmente às 21h02 e foi bonito ouvir todas as pessoas no celular avisando que o ônibus estava saindo, tava tudo certinho, a empresa existia mesmo e não era uma emboscada. Aquele sentimento de comunhão que nos une nesse mundo frio, hostil e cheio de picaretagens, em que tudo aquilo que é bom demais parece só uma forma mais sofisticada de golpe. Na maioria das vezes é isso mesmo, mas seguimos. Repetiria a experiência.

8/10

* Edit: A Iris Figueiredo (que inclusive foi a pessoa que me apresentou o Buser, obrigada Iris!) contou que nas viagens que fez entre São Paulo e Rio de Janeiro o ônibus ia com dois motoristas, diferente do que acontecia quando ela pegava uma viação normal. O trecho São Paulo (SP) e Uberlândia (MG) costuma ter dois motoristas na rodoviária ou então troca no meio do caminho, ou seja, não tem como saber.

Errata: Sei lá como, mas no dia que escrevi esse post li BUSEDAS no lugar de BUEDAS. A moeda fictícia do aplicativo Buser se chama BUEDAS e não BUSEDAS. Peço perdão pela confusão.

>> Esse post não é um publieditorial, mas se você se cadastrar no Buser através do meu link eu ganho R$10 em BUSEDAS BUEDAS para viagens futuras, garantindo visitas regulares ao meu poodle, manutenção de sotaque mineiro e experiências em postos de beira de estrada que podem ser compartilhadas aqui. Ajude essa influencer de baixo orçamento e se cadastre na plataforma mesmo se não for viajar: Clique aqui!


sábado, 18 de maio de 2019

Juntos e Shallow now: versão brasileira é tudo de bom

A coisa mais insuportável da internet essa semana foram as pessoas rasgando o cu por conta da notícia que Paula Fernandes e Luan Santana vão lançar uma versão nacional da canção "Shallow", trilha de Nasce Uma Estrela, originalmente interpretada por Lady Gaga e Bradley Cooper. Horrível estar em situação de defender Paula Fernandes, mas a música é brega desde a sua primeira versão e nasceu pra isso (tumdumtss), ou seja, agora a coisa só tende a melhorar. Diferente do que aconteceu com o filme, com essa nova canção finalmente teremos um motivo para sorrir.

Tudo bem que a tradução "Juntos e shallow now" pegou todo mundo de surpresa, mas esse tipo de versão não deveria ser novidade para quem mora no Brasil, já que isso é feito desde a Jovem Guarda (fonte: o caso mais antigo que consegui lembrar de cabeça) e Sandy & Junior não estaria aí lotando estádio com ingresso de R$300 se não fosse a Laura Pausini e a Celine Dion.

http://twitter.com

Como bem disse Chico Barney em tweet profético, essa versão brasileira é propriedade moral da dupla e aposto que eles conseguiriam dobrar o tamanho da turnê se "Shallow" fosse o hit do retorno. Felizmente temos aí 20 anos de carreira para fazer um resgate das melhores e mais improváveis versões brasileiras imortalizadas (spoiler!) pelos irmãos que fizeram carreira interpretando canções românticas numa época em que ninguém achava isso estranho.

Com a ajuda do Twitter e dessa playlist preciosa da Ju Gaspar, selecionei alguns destaques entre versões brasileiras by Sandy & Junior e como bônus coloquei alguns grandes momentos internacionais da música muito popular brasileira.


quarta-feira, 15 de maio de 2019

Então eu vi o filme do Capitão América

Minha vida se divide entre Antes do Perfil do Chris Evans na GQ (APCCEGQ) e Depois do Perfil do Chris Evans na GQ (DPCEGQ). O texto é de 2011, mas só chegou até mim em 2016, e Antes do Perfil do Chris Evans na GQ eu achava que o Chris Evans era apenas um Chris no meio do mar de homens brancos e fortes de olhos azuis que Hollywood nos oferece. Também nunca me interessei pelo Capitão América porque sempre achei o discurso nacionalista muito cafona, um julgamento que fiz do personagem com base no seu nome, no uniforme, e no síndico do prédio em que meu pai morava.

Explico: o síndico do prédio que meu pai morava era militar, e além da farda ele realmente vestia a identidade de síndico de prédio. Essa informação foi suficiente pra que meu pai começasse a chamar o síndico de Capitão América pelas costas, e foi suficiente pra que eu associasse o Capitão América, o herói Capitão América, a essa narrativa de síndico de prédio e à síndrome do pequeno poder que vem com o cargo.

Pensando bem, o que é o americanismo se não uma síndrome de síndico de prédio do resto do mundo? Divago...

Proibido som alto depois das 22h
O perfil do Chris Evans na GQ, escrito pela Edith Zimmerman, oferece tudo que uma boa história precisa: tensão sexual, palhaçadinhas, pessoas bonitas e grandes confusões envolvendo uma matéria jornalística completamente irresponsável, tudo isso protagonizado por um homem que é um golden retriever humano. Esse parágrafo é melhor que todos os gibis já escritos.
"But in the days since my first interview with Chris Evans, I'd drunk myself under the table, snuck out of his house at five thirty in the morning, bummed a ride home off a transsexual, been teased mercilessly in front of his mother, and now—this bit in the paper. 
I don't remember touching his chest, which is too bad."
É a história de origem perfeita, o que eu precisava para sedimentar o mito Chris Evans na minha mente e no meu coração, e todo mundo sabe que é preciso um bom mito pra um herói existir.

Outro problema é que as pessoas no geral são PÉSSIMAS pra falar sobre filmes de herói. No caso do Capitão América era todo um papo sobre Segunda Guerra Mundial, patriotismo, vilão nazista megalomaníaco e, sinceramente, quem se importa? No entanto, preciso reconhecer que foi até bem esperta a decisão de ambientar o filme num momento histórico em que o inimigo é claramente outro, é como se o Capitão América fosse o Haddad no segundo turno.

O jeito certo de falar sobre Capitão América: O Primeiro Vingador é dizer que o que move o filme é a relação entre Steve Rodgers e seu melhor amigo, Bucky Barnes. O Capitão América só deixa de ser um instrumento de propaganda americana quando vai pra guerra salvar o Bucky. Essa é a história que fica.

I love boyfriends
Pode ser um desserviço interpretar como romântica qualquer relação afetiva mais explícita entre dois personagens masculinos, mas todas as tentativas de criar uma tensão sexual e romântica entre o Steve e a Agent Carter são tão forçadas nesse filme que quase escuto os roteiristas gritando "NO HOMO" enquanto escrevem as cenas. Depois do Perfil do Chris Evans na GQ, sabemos que o Chris Evans é aquela pessoa capaz de fazer com que qualquer interação pareça um flerte, não explorar isso em todas as frentes possíveis me parece um desperdício do potencial desse prolífico ator.
"I also didn't know how much I was supposed to respond; when I did, it sometimes felt a little like hitting on the bartender or misconstruing the bartender's professional flirting for something more. I wanted to think it was genuine, or that part of it was, because I liked him right away. 
Is this the part of a celebrity profile where I go into how blue the star's eyes are? Because they are very blue."

Vocês vão perceber que muitas das escolhas que faço na vida e depois venho relatar neste diário virtual acontecem porque eu estava triste e precisava de algo para me animar, e não foi diferente com a decisão de assistir Capitão América: O Primeiro Vingador  em abril de 2019. Quando o primeiro filme dos Vingadores chegou aos cinemas eu tinha 18 anos, 2012 era um outro plano astral, e era fácil descartar o Capitão América como um mocinho básico e desinteressante. Lembra quando a gente gostava de anti-heróis? kkk

Sete anos depois acho que não tem nada mais radical do que um herói de coração bão e que quer fazer do mundo um lugar melhor. Depois do Perfil do Chris Evans na GQ eu vi que isso podia ser muito sexy também, e é isso que importa no fim das contas.

7/10

sexta-feira, 10 de maio de 2019

Todos os bons cachorros-quentes vão pro inferno

Não tenho interesse em falar aqui sobre minha relação filosófica e política com o veganismo, mas é importante que vocês saibam que minha família em São Paulo é vegana e eu estou num lento e errático processo de transição que será oficializado quando tiver coragem de assumir isso pra minha família extremamente mineira de Minas Gerais e quando eu sentir que comi toda a minha cota de queijo nessa vida. A gente tem que saber quais batalhas é capaz de lutar.

Na atual conjuntura tenho me permitido comer o que me traz alegria. Na maior parte das vezes, por questões filosóficas, políticas, intestinais, dermatológicas e porque quem tem cogumelo tem tudo nessa vida, uma alimentação vegana é o que tem me trazido alegria, mas tem dias que eu simplesmente preciso comer um cachorro-quente. Quarta-feira foi um desses dias.

A bordo do 80910-U Cidade Universitária - Metrô Barra Funda sempre passo por um carrinho de cachorro-quente próximo da Biblioteca Brasiliana, em frente a praça do Relógio Solar (fonte: divulgação). Depois de olhar o lugar com curiosidade algumas vezes, decidi descer duas paradas antes da minha pra ver qual era. O estabelecimento Big Dog, como o nome sugere, é especializado em cachorro-quente, mas também oferece açaí e mais algumas outras coisas que esqueci. Mas o importante aqui é o cachorro-quente.

(Fonte: acervo pessoal)

O diferencial do estabelecimento Big Dog, como pude notar nas duas vezes em que estive lá, é a possibilidade de substituir o clássico pão de cachorro-quente pelo pão de baguete. Eles cobram uns R$2,00 a mais por isso (valor aproximado), mas faz muita diferença no resultado final. Ouso dizer que a mágica do estabelecimento Big Dog está nesse pão de baguete com parmesão. Também é possível colocar salsichas adicionais por R$1,50 cada (valor aproximado), e acredito que duas salsichas seja a medida ideal se você estuda à noite e, assim como eu, se pega no limiar horrível de antes-da-aula-é-muito-cedo-pra-jantar-mas-se-eu-só-comer-um-lanche-básico-vou-morrer-de-fome-antes-das-21h.

Também é importante que vocês saibam que me considero uma minimalista gastronômica, o que significa que odeio TRENHEIRA (do mineirês: muitos trens, muita coisa, muita informação) na comida. Embora o estabelecimento Big Dog ofereça uma vasta gama de possibilidades de recheio para o cachorro-quente (cheddar, catupiry, milho, ervilha, vinagrete, purê de batata, ketchup, maionese, mostarda, queijo ralado e batata palha), o meu é sempre basiquinho: duas salsichas, ketchup, maionese, mostarda e batata palha. Sinto que o tiozinho fica um pouco chateado diante das minhas sucessivas recusas ("Cheddar?" não, obrigada; "Catupiry?" não, obrigada; "Vinagrete?" não, obrigada, só os molhos e batata palha; "E queijo ralado?" também não, obrigada), mas não é pessoal.

A simpatia desse tiozinho e das outras pessoas que trabalham no estabelecimento Big Dog é outro ponto forte do local, um dia eu vou aceitar o purê de batata só pra ver esse homem sorrir. Em breve pesquisa no Google descobri que o estabelecimento Big Dog é uma empresa familiar que existe há 40 anos na USP, "alimentando gerações". A página deles no Facebook é uma das poucas coisas puras que ainda existem naquela rede social e o Trash Advisor apoia essa causa.

(Fonte: divulgação)

Na minha última visita paguei R$16,50 (valor exato) pelo cachorro-quente + um doce pingo de leite. Não é exatamente barato, mas em São Paulo tudo é caro. Além de ser um lugar que vale a pena frequentar quando se busca aquele carinho estômago, o estabelecimento Big Dog vai além e oferece também um carinho na alma.

8/10

***

Como hoje é sexta-feira, gostaria de deixar vocês com uma #pensata. Pode parecer contraditório eu estar nessa jornada vegana e gostar tanto de cachorro-quente, mas a verdade é que o cachorro-quente é um dos pratos mais facilmente adaptáveis à dieta vegana sem perda de qualidade. A salsicha de origem animal é tão de mentira que é perfeitamente possível substituí-la por um troço igualmente artificial, mas sem proteína animal. O importante são os compostos químicos, o gostinho de césio-137 e a manutenção da tradição fast-food de oferecer um prato meio podrão e sem frescura. Não é o caso do que a maioria dos estabelecimentos faz, vendendo uma proposta gourmet e saudável, e essas pessoas estão erradas. Não faz parte do ethos do bom cachorro-quente ser saudável ou chique.

Devido ao desmonte das universidades públicas ontem eu também precisava muito comer um cachorro-quente e fui atrás dele no estabelecimento Fôrno, no centro de São Paulo. Na verdade eu queria mesmo era comer uma pizza, mas como meus amigos escolheram o hot-dog eu pedi também porque não queria passar vontade. Ele era minimalista do jeito que gosto, com linguiça especial apimentada na medida certa e uma mostarda muito gostosa. A quantidade insana de batata frita transforma isso numa refeição. Adorei, mas era um cachorro-quente de R$25,00 que não oferecia o tipo de emoção que busco quando como um cachorro-quente. Aí não.

(Fonte: acervo pessoal)

É engraçado como existe o mito de que toda alimentação é vegana é saudável. As pessoas descobrem que a bolacha Oreo é vegana como se isso fosse revolucionário, quando na verdade só significa que nada ali é natural ou provém do reino dos céus. Eu acredito nesse potencial do cachorro-quente vegano. Fica aí a reflexão.

You cover up is caving in
Man is such a fool, why are we saving him?
Poisoning themselves now
Begging for our help, wow

quinta-feira, 9 de maio de 2019

809U-10 Cidade Universitária - Metrô Barra Funda

Descobrir a linha 809U-10 Cidade Universitária - Metrô Barra Funda revolucionou a minha vida, o que faz dessa uma resenha completamente enviesada.

Nunca errou (só às vezes)

Teoricamente eu moro perto da USP: são 20 minutos de carro nas condições ideais de temperatura e pressão (CNTP) - a saber, fora do horário de pico, sem chuva ou qualquer outra hecatombe do tipo (guardar para referências futuras). A graça de morar em São Paulo é que esse trajeto de 20 minutos vira fácil uma viagem de uma hora e meia se você pega dois ônibus e faz uma baldeação de metrô, que era o meu percurso antes de descobrir a linha 809U-10 Cidade Universitária - Metrô Barra Funda.

Não é como se essa linha fosse um segredo de estado, mas é que eu tenho muita dificuldade de pegar ônibus em São Paulo porque ou não encontro o ponto certo ou pego o ônibus no sentido errado umas duas vezes até aprender. Só que esse negócio de dois-ônibus-e-uma-baldeação-de-metrô-uma-hora-e-meia-até-chegar-em-casa estava acabando com a minha vida, então resolvi me empoderar e explorar as possibilidades oferecidas pela Secretaria Municipal de Mobilidade e Transportes da cidade de São Paulo (SPTrans).

No primeiro dia que decidi ir pra faculdade com o 809U-10 Cidade Universitária - Metrô Barra Funda eu quase peguei o ônibus no sentido errado e fui me dar conta disso quando vi o ônibus certo passando do outro lado da rua e me deixando pra trás. Foi aí que descobri o único defeito dessa linha: o  809U-10 Cidade Universitária - Metrô Barra Funda demora. Demora bem mais que o intervalo de 15 minutos entre um ônibus e outro que o aplicativo Moovit prevê. O Moovit, aliás, é completamente inútil quando se trata do 809U-10 Cidade Universitária - Metrô Barra Funda, de modo que ter esse ônibus na sua rotina também é um excelente aprendizado, um chamado para abrir mão do controle e simplesmente confiar no universo. 

Eu já passei 50 minutos esperando o 809U-10 Cidade Universitária - Metrô Barra Funda em condições ideais de temperatura e pressão. Eu já quase fui atropelada algumas vezes ao atravessar correndo a Avenida Pompéia porque vi o 809U-10 Cidade Universitária - Metrô Barra Funda se aproximando do ponto do outro lado da rua. Mas o foda é que ele é lindo: a bordo do 809U-10 Cidade Universitária - Metrô Barra Funda eu chego na USP em meia hora.



Além disso, nesse trajeto de ida dá pra ir sentada quase sempre, um dos pontos que mais valorizo na minha rotina de transporte público. E digo mais: se o trajeto do 809U-10 Cidade Universitária - Metrô Barra Funda demorasse uma hora e meia e o rolê dois-ônibus-e-uma-baldeação-de-metrô fosse de meia hora, eu provavelmente escolheria o 809U-10 Cidade Universitária - Metrô Barra Funda só porque gosto muito de ficar sentada olhando a cidade pela janela. Tempo de qualidade.

No trajeto de volta, que costumo fazer no fim do dia - ou seja, longe das condições ideais de temperatura e pressão - costuma ser mais difícil encontrar um lugar vazio pra sentar, mas a maioria das pessoas desce no metrô Vila Madalena. Dentro da USP ele costuma passar em intervalos mais curtos até que os 15 minutos previstos pelo aplicativo Moovit, ou talvez eu só tenha dado sorte na semana passada. Andar no 809U-10 Cidade Universitária - Metrô Barra Funda é uma jornada de serendipidade.

8/10

terça-feira, 7 de maio de 2019

A ideia de começar um blog em 2019

Não era pra ser tão difícil.

Escrevo na internet há mais de 10 anos e em algum momento começaram a me levar a sério. Não sou especial nem nada, mas é que hoje em dia todo mundo leva tudo muito a sério, as pessoas se levam a sério demais. Escrever na internet me deu alguma ideia do que fazer da vida, um projeto pessoal que amo, alguns empregos, muitos amigos, rolos e romances, madrugadas insones e um tema de pesquisa que é a minha vida agora, mas escrever na internet às vezes me deixa com vontade de nunca mais escrever ou existir na internet. Eu tenho me levado muito a sério.


Quando comecei meu primeiro blog a ideia era falar sobre coisas que eu gostava muito, mas meus amigos não ligavam. Hoje em dia tenho a chance de escrever sobre os artistas que mais gosto e passar horas falando sobre o final de Mad Men sabendo que existem pessoas interessadas em ouvir, e isso é muito legal, mas ando cansada de transformar tudo que consumo em Conteúdo, fazendo da minha vida uma commodity na forma de Experiência que vai virar dinheiro na mão de grandes empresas, e que só vai me render uma crise de ansiedade quando alguém resolver usar o que escrevi pra dizer que sou uma pessoa ruim.

Talvez começar um blog seja só um jeito despretensiosamente pretensioso ou insuportavelmente ingênuo de seguir essa mesma lógica, mas é algo que quero tentar. Eu ainda trabalho com marketing digital, tiro 30 fotos iguais da minha cara até achar uma boa, estou lendo uma lista de referências que inspiraram o último disco do Vampire Weekend, compro água tônica orgânica rosé e queria uma mochila Kanken igual todo mundo, mas essa não é a minha vida inteira e não é isso que quero compartilhar. Não é uma resistência ou manifesto de coisa alguma, é só uma coisa que inventei pra perder tempo na internet.


Esse blog é inspirado no meu tio que todos os dias descreve minuciosamente o que comeu no almoço, nos áudios gigantes que a Clara me manda com digressões inúteis sobre o caminho que fez até a faculdade, e em todas as pessoas que têm uma linha de ônibus do coração e sabem dizer o por quê. E também, é claro, no blog Minhas Refeição, que é provavelmente a minha coisa favorita em toda a internet. Minha ideia é falar sobre linhas de ônibus favoritas, fazer reviews de estações de metrô, listar os melhores estabelecimentos bar & lanches da cidade de São Paulo, compartilhar artes feias e trechos de música sem contexto. O nome, ideia da Clara, é uma homenagem a todas as pessoas que deixam suas opiniões no Trip Advisor e sites afins - vocês não fazem ideia da quantidade de maluco que tem lá.

Encerro esse texto de abertura com um trecho do "Poema em linha reta", do Álvaro de Campos, que diz de um jeito bonito tudo que sinto quando alguém me pede uma lista das lojas e brechós mais legais da cidade, um sentimento equivalente às personagens de Romy and Michele's High School Reunion pedindo um "business woman special" na lanchonete sem saber o que estão fazendo e o que aquilo significa.



"Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das
etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo."

(Sempre acho que esse poema é do Drummond)