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sexta-feira, 24 de maio de 2019

Me tornei aquilo que jurei destruir: bebendo em um bar de mackenzistas

Faz pouco mais de dois meses que me mudei pra São Paulo oficialmente, mas em 2016 passei uma temporada na cidade morando num quarto de hotel pago pela firma na Vila Buarque. Eu ia e voltava a pé do treinamento e passava todos os dias pela rua Maria Antônia no caminho volta, o que significa que de quarta a sexta eu precisava enfrentar uma horda de jovens universitários bebendo em pé pra chegar em casa. Não satisfeitos em ocupar as calçadas, eles ocupavam também boa parte da rua, não davam licença, derrubavam cerveja e faziam gracinha quando eu passava impaciente e de cara fechada no meio de alguma roda. Foi o inverno mais rigoroso de São Paulo dos últimos 20 anos e eu era uma jovem jornalista cansada que só queria tomar uma sopa barata e chegar logo no meu quartinho.

Essa experiência me deu local de fala para odiar o Mackenzie* e tudo que ele representa.

Apesar do Mackenzie, acabei me apegando muito a essa região, e ainda hoje passear por lá me enche de uma nostalgia gostosa desse início de vida na cidade, minha primeira aventura fora de casa e a primeira vez que senti que São Paulo poderia ser minha também. Essa é a única justificativa pra eu ter aceitado tão prontamente e sem questionamentos quando meu amigo sugeriu que parássemos no estabelecimento """Kenzie""" Restaurante e Bar para tomar uma cerveja na última quinta.

Jovens bebendo em pé (Foto: BaresSP)

Segundo o veículo especializado BaresSp:
"O Bar e Restaurante Kenzie foi fundado em 2004, conta com um público jovem e bonito formado pelos universitários da Faculdade Mackenzie e clientes de empresas situadas nas proximidades. Possui um serviço diferenciado de almoço, onde cada dia o restaurante oferece 5 opções extras de pratos, elaboradas pela chef da casa. À noite o destaque fica para as porções que são feitas na hora e servidas quentinhas para o cliente, além de lanches, salgados e todos acompanhados de drinks e cervejas. O estabelecimento trabalha com café expresso onde utilizam grãos 100% arábicos, conferindo um sabor especial ao tradicional cafezinho."
Lendo essa descrição só lembro da seminal crônica de Antonio Prata sobre bares ruins e o fetiche da simplicidade autêntica brasileira. De acordo com a classificação do escritor sobre bares meio ruins, talvez o estabelecimento """Kenzie""" Restaurante e Bar já esteja no estágio de ser frequentado por "meio intelectuais, meio de esquerda, e universitárias mais ou menos gostosas", em vias de ganhar uma matéria na Vejinha. No entanto, uma rápida busca por """Kenzie""" Restaurante e Bar no Google me fez desconfiar que talvez o estabelecimento tenha perdido o momentum necessário para fazer parte da gentrificação do centro expandido de maneira mais concreta. A essência é de um bar universitário, mas como a universidade é o Mackenzie a etnografia se torna mais complexa. Acho que eu era a única mulher no local na última quinta, e portanto a coisa mais próxima de uma universitária mais ou menos gostosa que o ambiente oferecia.

Preciso admitir, contudo, que os universitários do sexo masculino eram mesmo bem bonitinhos. Se você vem do interior, assim como eu, é fácil se emocionar com qualquer barbudinho estiloso que aparece na rua e em estabelecimentos como o """Kenzie""" Restaurante e Bar, ainda que o tempo e a vida na cidade te mostrem que em São Paulo - e principalmente no centro expandido - basta sacudir uma árvore que caem uns 20 do mesmo tipinho, é até difícil diferenciar. Bonitos os rostos enquanto pano de fundo, mas a graça passa quando eles começam a gritar por causa de futebol, o que aconteceu enquanto estive no """Kenzie""" Restaurante e Bar, experiência acompanhada por vários rojões na rua. Não consegui enxergar quem estava jogando na televisão do local.

"Um público jovem e bonito formado pelos universitários da Faculdade Mackenzie e clientes de empresas situadas nas proximidades" (Fonte: BaresSP)

Bom, mas vamos ao que realmente interessa: embora não constasse no cardápio, os litrões disponíveis no dia eram Skol e Brahma, a R$10 cada, um valor dentro da média para a região. Servida no copo americano clássico, a cerveja estava razoavelmente gelada e não tivemos problemas nesse departamento. Infelizmente esse foi o preço mais justo que encontrei em minha experiência no estabelecimento """Kenzie""" Restaurante e Bar. 

O cardápio é bem vasto, com várias opções de prato executivo, sanduíches, porções, drinks e doses. Teoricamente os pratos executivos são servidos apenas no almoço, mas não há informação sobre isso no cardápio, e o garçom que nos atendeu foi um bocado grosso quando meu amigo tentou pedir um nhoque. Depois ele disse que na verdade alguns pratos executivos poderiam ser pedidos (apenas os grelhados), até que ele voltou dizendo que dava pra pedir o nhoque sim.

Meu amigo não sabia, mas a confusão foi o universo tentando dizer que era melhor pedir outra coisa.

O nhoque mais triste do centro expandido de São Paulo (Foto: acervo pessoal)

Não costumo levar a sério todas as opiniões desse meu amigo sobre questões alimentícias pois discordo da maioria dos seus critérios (ele não gosta de queijo), mas o nhoque com iscas de frango estava mesmo difícil de engolir. As unidades de massa eram muito grandes, grossas, e vinham recheadas de um queijo de gosto forte - outra informação que não constava no cardápio - que até eu que gosto bastante de queijo não consegui tolerar. O molho tinha um sabor bem artificial, e a grande ironia é que a parte mais absurda do prato - as iscas de frango - foi a única coisa que prestou.

O nhoque com iscas de frango custou R$22,90, e o valor dos pratos executivos no estabelecimento """Kenzie""" Restaurante e Bar varia entre R$19,90 e R$39,90. Todos os pratos acompanham arroz, feijão, salada e uma "mistura" opcional à escolha do freguês (purê de batata, fritas ou legumes na manteiga). Em São Paulo tudo é caro e o nhoque definitivamente não é a melhor opção nesse setor, mas sabendo escolher e levando em conta a região é possível dizer que dá pra almoçar de forma honesta no estabelecimento """Kenzie""" Restaurante e Bar, ao menos na teoria. Se os pratos são bem servidos ou não terei que descobrir em uma outra oportunidade.



Minha estratégia nessa visita foi escolher algo que estivesse mais alinhado com os pontos fortes da casa, e para minha sorte encontrei uma seção no cardápio em que lia-se ESPECIALIDADES KENZIE. Não tinha comido nada o dia todo e o pastel, meu plano inicial, não oferecia a SUSTÂNCIA necessária para a ocasião. Com isso em mente, o sanduíche chamado de LARICKENZIE me pareceu a melhor opção do cardápio (preciso confessar que um dos fatores que pesou na escolha foi a oportunidade de escrever LARICKENZIE neste diário virtual).

Amigas, que decepção.

Uma ofensa aos lariqueiros desse país (Foto: acervo pessoal)

Pão francês, filé de frango, queijo prato, cebolas refogadas no shoyu e maionese da casa - essa era a promessa do sanduíche LARICKENZIE, que falhou em alcançar seu potencial. O filé de frango era da espessura de uma folha sulfite e as prometidas cebolas refogadas no shoyu se traduziram como uma quantidade assustadora de cebolas num único sanduíche (eu gosto de cebola, mas não vi vantagem). O blend entre o queijo e a maionese da casa salvaram a experiência de ser uma decepção total. Longe de ser um prato indicado para casos de larica, como sugere o cardápio do estabelencimento """Kenzie""" Restaurante e Bar, o sanduíche LARICKENZIE me deixou com fome, e nem era esse o meu estado. Tentei comer um pouco do nhoque com iscas de frango, que meu amigo deixou quase inteiro no prato, mas também não fui feliz.

Agora vem a pior parte, o preço: R$20,90 por um LARICKENZIE ineficiente. Acho que nenhum dos mackenzistas barbudinhos e estilosos presentes no recinto teria a capacidade de me fazer de trouxa nesse nível. 

A grande ironia do nome foi expressa de forma singular pelo meu amigo ao olhar com tristeza seu prato de nhoque:

- Se eu estivesse drogado dava pra bater esse prato inteiro como se fosse a melhor refeição da minha vida. Uma pena.

***

Apesar de não ter tido uma boa experiência, preciso ser justa e reconhecer que, como quase tudo nessa vida, o estabelecimento """Kenzie""" Restaurante e Bar tem um saldo final que é o famoso Vai de Cada Um e do que você espera do seu bar universitário. O acesso fácil pela estação Higienópolis-Mackenzie e os corredores de ônibus da Consolação é um ponto forte a favor e os preços podem ser vantajosos para quem só vai beber ou turmas grandes interessadas em dividir as porções bastante escandalosas de carne. Voltaria no almoço pra experimentar o PF.

Quem busca um ambiente heteronormativo de paquera e azaração também pode se dar bem, mas se você é mulher recomendo paciência e sangue de barata.

"Bom e Barato! Um pouco quente no verão. O Wi-Fi não pega a partir da 3ª mesa, o que acaba sendo uma desculpa para sair e encontrar um (sic) das 501 Mackenzistas da Maria Antônia" (Fonte: Foursquare)

Na condição de pessoa que não gosta de jovem e não gosta de gente, os pontos fortes pra mim foram o preço da cerveja, o banheiro limpo (posso ter dado sorte, mas foi o bar universitário com banheiro mais limpo que já visitei), e as muitas opções de coisas pra comer, que é algo que poucos bares oferecem. Eu sou uma pessoa que precisa comer e é bom ter algo além de batata frita e salgado de estufa. Nesse aspecto, os bares universitários da rua Doutor Cesário Mota Júnior, logo ao lado, deixam a desejar - embora sejam campeões em todo o resto. 

Além disso, a necessidade patológica do jovem de beber em pé na calçada faz com que seja fácil encontrar uma mesa pra sentar e que na parte de dentro o ambiente seja menos insuportável.

5/10

* Depois da última manifestação pela educação eu prometi que não ia mais falar mal de mackenzista como esporte (inclusive tenho amigos que são), de modo que peço que o texto seja lido com o senso de humor necessário. Se você estiver pensando em comentar algo como "nem todo mackenzista não sei o que não sei o que lá" peço por favor que honre a instituição fazendo uso das habilidades de interpretação de texto e me economize.