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segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

Ideias para adiantar o fim do mundo: uma retrospectiva de experiências paulistanas

A coisa mais distópica que vi em São Paulo esse ano foi o Largo da Batata ("Potato Square") vazio exceto por uma porção de entregadores dos aplicativos Rappi, iFood e Uber Eats esperando pela próxima corrida. Era uma noite de domingo e depois soube que aquele havia sido o dia mais frio do inverno em 2019, o que talvez explique a completa falta de movimento num lugar que costuma ser tomado por jovens bebendo Corote Sabores™ nos fins de semana.

Não satisfeita em estar na rua no dia mais frio do ano, eu estava em um date no dia mais frio do ano, e o Largo da Batata ("Potato Square") era nosso último destino desesperado depois de encontrarmos alguns bares fechados e de sermos expulsos de outros dois que resolveram fechar mais cedo por causa do frio. Andar por uma São Paulo vazia naquela noite de domingo foi como andar por uma São Paulo do mundo invertido, foi uma falha na Matrix da metrópole, eu e aquele garoto uma espécie de sobreviventes de um apocalipse obviamente causado pela economia de inovação e o aquecimento global.

Terminamos a noite dando uns amassos no sofá da Void, também vazia. Foi minha primeira e até agora única experiência na Void General Store e não posso reportar muito do local, pois não consumimos nada. Pouco antes da meia-noite um garçom começou a limpar a garganta perto de onde estávamos, assim como fazem nos filmes, e avisou que eles estavam fechando. Nós ficamos encostados na parede rindo e soltando fumaça pela boca achando graça daquele Largo da Batata ("Potato Square") deserto enquanto esperávamos nosso Uber chegar.

Se eu fosse escrever uma ficção científica sobre nossos tempos essa definitivamente seria a cena de abertura. No cenário pós-apocalíptico, restam as baratas, os aplicativos e os jovens que só querem um lugar tranquilo pra se pegar.

Sofá da Void General Store: 10/10

Largo da Batata ("Potato Square") - (Foto: Moacyr Lopes Junior - Folhapress)

***

A segunda coisa mais distópica que aconteceu comigo em São Paulo foi ser abordada por um gringo oferecendo drogas na saída da estação Eucaliptos da Linha 5 - Lilás do metrô.

Andar na Linha 5 - Lilás do metrô já é, em si, uma experiência distópica. Para começar, ela é lilás. As pastilhas que decoram a estação são lilases, os trens têm detalhes em lilás, o ar-condicionado é sempre muito frio, do tipo que deixa nossa unha meio lilás. Depois, ela fica tão embaixo da terra que o celular não pega de jeito nenhum, um tipo de isolamento que nenhuma outra linha proporciona e que surge como uma surpresa nos nossos tempos de hiperconectividade graças ao advento das redes sociais.

A saída da estação Eucaliptos, que faz parte da Linha 5 - Lilás do metrô, dá para um pátio de concreto que também é majoritariamente habitado por entregadores dos aplicativos RappiiFood e Uber Eats, mas que sempre parece vazio e quieto de um jeito estranho, principalmente porque está localizada em frente à sempre movimentada Avenida Ibirapuera e ao shopping Ibirapuera. "Estranho", no entanto, não é um conceito estranho para a zona sul de São Paulo, por onde passa a Linha 5 - Lilás do metrô, e para a cidade de São Paulo, de modo geral.

Nesse dia, enquanto esperava minha amiga Clara sentada em uma mureta do pátio, um homem se aproximou e disse algo que não entendi bem porque estava de fones. Quando desliguei a música percebi que não entendia direito o que ele estava dizendo porque ele não falava português, mas algo entre português e espanhol com o sotaque muito carregado. Ele disse que eu era muito bonita e me convidou para fumar com ele e outro amigo que estava sentado adiante. Então minha mãe tinha razão, as pessoas realmente faziam isso.

Recusei e agradeci do jeito mais firme que consegui, ele insistiu e disse que eles só queriam fumar e conversar; recusei de novo, então ele tirou do bolso um beck muito bem bolado e quis me dar de presente, porque eu era muito bonita. Eu estava usando uma calça de moletom cor-de-rosa e uma camiseta da Beyoncé. Recusei meio sem acreditar que aquilo estava realmente acontecendo e quando ele se afastou o segurança da estação Eucaliptos apareceu pra perguntar se estava tudo bem. Disse que sim e ele fingiu não ver aqueles gringos - brancos - fumando um às 16h.

Infelizmente me senti muito descolada por vivenciar essa lenda urbana, enfim cool o bastante para alguém me oferecer drogas na rua.

Anna Vitória: 2/10

Estação Eucaliptos - (Foto: Wikipedia)

***

A terceira coisa mais distópica que aconteceu não só comigo, mas com a cidade de São Paulo de modo geral, foi o surgimento do Méqui 1000 da Avenida Paulista.

"É um McDonalds. Num casarão antigo onde ficava um banco. No meio da Paulista.", foi a descrição que minha amiga Anacê usou para definir o local e também para me convencer de visitá-lo, o que foi uma estratégia muito eficiente da parte dela.

O Méqui 1000, localizado no número 1811 da Avenida Paulista, é a milésima unidade da franquia no Brasil, onde está há 40 anos. Segundo apuração da editoria especializada Mídia e Marketing do Uol, "a loja pode ser considerada um piloto do 'McDonald's do futuro'", um novo ponto turístico para a cidade com capacidade para 300 pessoas sentadas, área verde, espaço para shows e eventos especiais, bicicletário, totens de autoatendimento e funcionamento 24h. Sem ironia alguma, João Branco, diretor de marketing do McDonalds no Brasil, declarou: "[O Méqui 1000] É quase uma propaganda de televisão, não um restaurante".

Enfim chegamos no futuro e ele se parece com a cidade de Pawnee. Pensando em fazer algo legal para encerrar o primeiro ano de Trash Advisor, eu e Anacê decidimos almoçar no Méqui 1000 num sábado desses.


Fachada do Méqui 1000 (Foto - Acervo pessoal)

De fato toda a experiência Méqui 1000 parece feita sob medida para ser reportada nesse veículo. A ideia para esse blog surgiu nos meus primeiros meses em São Paulo, porque queria registrar as experiências esquisitinhas que se vive por aqui nesse momento esquisitaço do mundo quando você é uma pessoa com consciência social o suficiente para se perceber parte das contradições da sociedade de consumo moderna mas ainda não possui princípios o suficiente pra deixar de pedir delivery.

Eu não queria me acostumar com São Paulo ou com todas essas coisas - nem deixar de me incomodar com as coisas ruins, nem deixar de me deslumbrar com as coisas boas. Eu também andava meio triste, frustrada, e precisava me apropriar da cidade e da minha nova vida por aqui. Deu tão certo que não consegui mais arranjar tempo pra registrar essas experiências, mas queria retomar o projeto em 2020 tendo como objetivo o melhor efeito colateral que esses posts acabaram causando: me divertir escrevendo umas bobajadas pra fazer meus amigos rirem na internet. Isso significa que precisarei voltar ao Méqui 1000.

A verdade é que como acontece com muitos pontos turísticos e como a cidade de São Paulo de modo geral, a experiência no Méqui 1000 foi atrapalhada e talvez arruinada pelo hype do local. No dia que fomos o local estava tão cheio que foi difícil me concentrar na FRUIÇÃO daquele espaço e no tipo de imersão que ele propõe ao oferecer uma escultura de hambúrguer gigante pendurada no teto - em contraste com o piso de mármore e a escada do casarão, que parece um cenário de As Patricinhas de Beverly Hills - e um cardápio especial com 15 itens exclusivos.

As filas dos totens de autoatendimento se misturam umas com as outras e eventualmente se chocam com a fila das pessoas esperando seus pedidos e talvez esse tipo de caos seja o mais próximo que já cheguei de tentar fotografar a Monalisa. A melhor coisa que aconteceu na minha visita ao Méqui 1000 foi a competição que eu e minha amiga Anacê criamos de ver quem demorava menos tempo pra fazer o próprio pedido depois de passarmos uma boa meia hora vendo as pessoas se demorarem ao escolher a sobremesa e errando o próprio CPF na nota.



Pão de queijo burguer e McVeggie (Fotos - Acervo pessoal)

Quando me fez o convite para conhecer o Méqui 1000, minha amiga Anacê se propôs a experimentar o famigerado pão de queijo burguer, que é exatamente isso que vocês estão pensando. Eu comi um McVeggie pela primeira vez para ver se o McDonalds estava ignorando a corrida espacial do hambúrguer vegetal por uma boa causa - a resposta é não.

Na primeira mordida, Anacê disse que o pão de queijo era ruim, mas a ideia não era de todo errada e disse que tinha certeza que até o final da refeição ela estaria achando o pão de queijo burguer bom, que é basicamente a experiência de qualquer pessoa no McDonalds. No entanto, ao final ela só concluiu que era muito ruim mesmo e não havia salvação para aquela experiência.

O Méqui 1000 drenou minha energia vital de tal modo que perdi completamente a capacidade de elaborar qualquer observação engraçadinha e espirituosa sobre o local, eu só queria sair de lá. Eu e Anacê fomos embora tristes e com um pouco de azia e eu até esqueci do McFlurry Kit Kat de morango, outra especialidade local que gostaria de experimentar.

Fica então o sentimento de promessa não cumprida, mas o desejo sincero de voltar - esse, afinal, é o espírito desse veículo.

Estava certo Pedro Arbex, do veículo de negócios Brazil Journal, que encerrou sua reportagem sobre o Méqui 1000 da seguinte forma:

Na sexta, do lado de fora da loja, hordas de millennials paravam para observar a fachada e comentar o letreiro, onde se lia “Méqui 1000.” Quase todos tiravam fotos, antes de entrar e entregar parte do salário.

Se eu fosse transformar esse blog em livro, essa certamente seria a epígrafe.

Sei lá mein (Foto - Acervo pessoal)

Méqui 1000: 4/10

terça-feira, 24 de setembro de 2019

A corrida espacial do hambúrguer vegetal: o futuro chegou?

Nos anos 60, quando os cientistas quebravam a cabeça em busca de maneiras de levar o homem e alguns cachorros para a lua, o futuro prometia carros voadores, botas prateadas e naves espaciais. Em 2019, enquanto não colonizam o espaço, cientistas e grandes corporações quebram a cabeça em busca de maneiras da fazer o hambúrguer vegetal perfeito.

As pessoas finalmente estão se ligando de que o mundo vai acabar antes que a gente consiga fugir daqui, então é preciso fazer alguma coisa - nem que seja um sanduíche.

Por mim tudo bem.



Futuro, não por acaso, é o nome do "primeiro hambúrguer brasileiro 100% vegetal". Segundo o veículo especializado Prazeres da Mesa, o Futuro Burger é feito a partir de proteína de ervilha, proteína isolada de soja e de grão-de-bico, e beterraba. Com 17 gramas de proteína, a iguaria ambiciona igualar os índices proteicos do Futuro Burguer aos valores nutricionais da carne vermelha.

Mas o pulo do gato está mesmo na FRUIÇÃO do Futuro Burguer. Diferente dos hambúrgueres vegetais que estava acostumada, ele vem com a promessa de oferecer uma experiência muito similar a de um hambúrguer animal, com a mesma cor, textura e suculência de seu parente da indústria pecuária. A beterraba, aliás, faz as vezes do rosadinho da carne - também conhecido como sangue - daquele hamburgão no ponto da casa que o diabo adora.

A primeira vez que provei um Futuro Burguer foi na ocasião de seu lançamento oficial, na feira gastronômica Smorgasburg, o maior festival de comida de rua do mundo que teve sua primeira edição em São Paulo no início de junho de 2019, há 84 anos. No intervalo de uma semana vi tantos releases falando do evento e do hambúrguer que decidi prestigiar a classe (assessoria de imprensa da Fazenda Futuro) e ver qual era.

(Foto: Acervo pessoal)

No quiosque da Lanchonete da Cidade, restaurante que adotou o Futuro Burguer em São Paulo, só era possível pedir o LC Futuro, um X-salada básico 100% vegano feito com queijo Nomoo e maionese vegetal. Custou R$25 e achei meio qualquer nota, pequeno e pouco caprichado, mas dei um desconto pela ocasião da feira e a necessidade de se produzir rápido para evitar filas.

O Futuro Burguer, no entanto, me deixou meio bolada. "Que bruxaria é essa?", pensei depois da primeira mordida ao ver o suco da beterraba escorrendo como sangue. O gosto, contudo, é bem mais leve que o de um hambúrguer artesanal bovino, e imediatamente me veio à mente o gosto de um hambúrguer de peru Sadia, mas de um jeito bom. Nem lembro se já comi um hambúrguer de peru Sadia pra saber. Saldo final: Nem Melhor, Nem Pior, Apenas Diferente.

Após relatar minha experiência no Instagram, meus amigos da rede social me incentivaram a dar uma nova chance à iguaria, mas dessa vez em um dos outros sanduíches da Lanchonete da Cidade. Isso é realmente legal, pena que exclui os veganos da brincadeira: no restaurante, você pode pedir pra substituir qualquer um dos hambúrgueres da casa pelo Futuro Burguer. Experimentei dois: "Cooper" (molho inglês, cheddar Joseph Heller e mostarda dijon no pão de hambúrguer preto) e "Paris" (queijo brie Serra das Antas, cogumelos e molho poivre no pão de estrela).

O veganismo que me perdoe, mas achei os dois bem mais gostosos que o LC Futuro original. Ainda acho os sanduíches da Lanchonete da Cidade pequenos, mas estavam caprichados o suficiente pra valer o preço na faixa de R$26 a R$30, não lembro mais quanto paguei.

"Cooper" @ Lanchonete da Cidade (Foto: Acervo pessoal)

Quando discorri sobre a diferença entre salsichas vegetais e animais, defendi a importância de se emular a experiência completa de se comer um cachorro-quente em vez de soluções alternativas mais saudáveis, tipo a salsicha de cenoura. Não sei se esse pensamento vale para um hambúrguer.

Isso porque, animal ou vegetal, a salsicha é um alimento que em sua essência possui a característica de parecer qualquer coisa, menos algo natural. Portanto, sua origem faz pouca diferença na experiência - nada contra, muito pelo contrário. Já o hambúrguer realmente traz em seu ethos a identidade da carne, e não sei até que ponto isso é bom. Ou melhor, para quem isso é bom.

Para pessoas em transição ou vegetarianos/veganos que sentem muita falta de carne acho o Futuro Burguer uma solução perfeita, para quem apenas quer reduzir o consumo também. Mas ouvi relatos de pessoas que não gostaram justamente porque é tão parecido com carne que chega a causar uma certa repulsa. Ainda não cheguei nesse estágio, mas entendo o incômodo.

Nesses tempos que estive ausente, andei escrevendo sobre economia e negócios (kkkk) e nas minhas pesquisas em veículos startupeiros li muito sobre foodtech e o mercado (rs) plant based, que inclusive é matéria de capa (que coisa mais ANTIGA) da edição mais recente da revista Exame. Como o ano é 2019, o jornalismo acabou e ninguém mais assina revista, vou deixar aqui a chamada da reportagem:

"A reinvenção da comida: carne sintética, superalimentos, ingredientes modificados, produtos orgânicos, com menos gordura, açúcar e sal. Novas tendências de consumo começam a provocar uma revolução na indústria de alimentos em todo o mundo."

A princípio tudo que vem afrontar pra afrontar o agronegócio me interessa, mas tenho lido muito mais sobre a corrida espacial do hambúrguer vegetal em veículos de economia entusiasmados com a novidade do que na minha bolha tilelê. Marcos Leta, empreendedor por trás dos sucos Do Bem (rs) que é o fundador da Fazenda Futuro, parece obstinado em desbancar o mercado da carne, e a próxima fase é tornar o Futuro Burguer mais barato também nos supermercados.

Não vai me surpreender se esse futuro transformar um movimento sobre menos consumo e mais sustentabilidade numa coisa de arrombado, tão inovador quanto colonizar o espaço pra destruir mais um planeta quando esse aqui acabar. Mas ei, nós temos sanduíches!


Diante de todo esse agito, resolvi voltar com o blog na esperança de que algum desses empreendedores me chame pra comer hambúrguer de graça pra depois reclamar deles aqui. Vamos todos morrer mesmo.

Futuro Burguer: 7/10

Edit: A Fazenda Futuro lançou essa semana o Futuro Burguer 2.0, com a promessa de ser uma versão mais saudável e menos gordurosa do primeiro. Meu amigo Gio cobriu o lançamento pelo veículo de tecnologia Gizmondo e contou o que achou da novidade.

segunda-feira, 3 de junho de 2019

Usei o Rappi pela primeira vez para pedir um chá e você não vai acreditar no que aconteceu

Às vezes a gente tem que dizer ok pro capitalismo tardio.

Nunca tinha usado o aplicativo Rappi. O conceito de "delivery de qualquer coisa" sempre me causou certo desconforto, que se provou fundamentado depois dessa matéria sobre a rotina dos entregadores, e só o fato do ícone do aplicativo ser um bigode já dá indícios que esse negócio de "delivery de inovação" deve ser coisa de arrombado.

"'A nossa ambição é ser o super aplicativo da América Latina,' disse Ricardo Bechara, co-fundador e diretor de expansão e operações da Rappi Brasil. (Fonte: AmCham)

Navegar pela interface do aplicativo Rappi, com todas as possibilidades que ele oferece - de entrega rápida de camisinhas até a perspectiva de alguém ir ali no banco tirar dinheiro pra você - é uma das experiências mais distópicas que se infiltraram no nosso cotidiano. A estratégia de gamificação embutida no aplicativo Rappi, louvada pelos nossos guerreiros do LinkedIn (claro), me faz desconfiar que estamos pagando caro demais para viver no ano 2037.



Mesmo com todas as tentativas do aplicativo Rappi de me seduzir através do envio de rappicréditos de grandes valores todos os dias, valores que envergonhariam os cupons de R$10 do aplicativo iFood, consegui resistir por bastante tempo. Não me considero acima da condição de aceitar coisas de graça, principalmente comida, mas o aplicativo Rappi é um limite que eu realmente não estava disposta a ultrapassar. Não se pode dar o primeiro gole, etc.

Então eu fiquei gripada.

"O diabo mora nos detalhes", já dizia Leroy, ilustre participante de Instant Hotel, e é por essas frestas que o aplicativo Rappi consegue entrar na sua vida. Semana passada fiquei gripada e depois de passar o dia espirrando e tossindo nas dependências da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, concluí que precisava de um chá para sobreviver à aula do turno da noite.

Mas eu não queria um simples chá de sachê como os disponíveis nas cantinas mais próximas, eu queria um chá diferente, especial, um chá que fosse como um abraço de mãe vendido por grandes corporações. Como se lesse meus pensamentos, o aplicativo Rappi me enviou R$30 em rappicréditos que deveriam ser usados até às 20h59 daquele mesmo dia. Foi então que me despi do meu orgulho e abracei o capeta: não apenas pedi um chá usando o aplicativo Rappi, como pedi um CHAI LATTE direto no STARBUCKS. E um croissant, porque fiquei com vergonha de pedir só um chá.

Com os meus rappicréditos o valor da compra ficou em R$0,30, com mais R$4,00 de gorjeta para Valdinei, o entregador.

(Foto: acervo pessoal)

A odisseia entre o pedido e a entrega via aplicativo Rappi demorou uns 50 minutos, provavelmente o tempo que eu levaria pra ir até em casa fazer um chá no conforto do meu lar ou ir a pé até a unidade mais próxima da Starbucks. É muito, mas está dentro da margem de tempo prometida pelo serviço, foi o tempo que eu precisava pra ler o texto da aula, e esse é o preço que se paga por ser uma grande arrombada pela comodidade.

O delivery de fato demorou cerca de 10 minutos, o que foi muito bom, já que tanto o chá como o croissant chegaram bem quentinhos. O chai latte veio no clássico copo de papel da Starbucks, só que com a abertura vedada com plástico, impedindo que o líquido fosse derrubado no percurso - um dos meus receios iniciais. O gosto era exatamente o do conforto artificial vendido por grandes corporações que eu tanto precisava, idem para o croissant.

Acho importante levar isso em conta na hora de avaliar o que é servido por essas franquias, e dosar as expectativas de acordo, mas os preços da Starbucks são uma afronta a esse pacto civilizatório do fast food. Sem os rappicréditos essa palhaçada custaria R$30,30, e eu jamais repetiria a experiência nesses termos. Importante dizer que não recebi mais nenhum rappicrédito até o fechamento desta edição.


Quando contei sobre a experiência para uma amiga, ela disse: faltou uma consciência de classe aí, hein?, e eu até desisti de ir pra aula depois dessa. Mas eu estava gripada e defendo minhas escolhas. Às vezes a gente precisa dizer ok pro capitalismo tardio.

Aplicativo Rappi: 7/10
Starbucks: 6/10
Anna Vitória: 2/10

quarta-feira, 22 de maio de 2019

Não é sequestro nem tráfico de órgãos, é só o século XXI: minha viagem de Buser

Graças ao Twitter descobri a nova indústria que a precarização do trabalho no capitalismo tardio os millennials irão destruir: os ônibus de viagem. Semana passada viajei de Buser pela primeira vez.

"Viaje de ônibus com 60% de economia", essa é a promessa do aplicativo que conecta pessoas que vão viajar para o mesmo destino com empresas de ônibus de viagem executiva, o famoso FRETADO. Ah, a economia compartilhada! Ainda segundo o site: "Nossa tecnologia compartilhada e sustentável fomenta a mobilidade no Brasil, criando uma nova opção de transporte segura, de qualidade e a preços justos. Assim como já aconteceu no transporte privado por aplicativo nas cidades, é hora do transporte intermunicipal mudar para melhor. E para sempre."


Na prática, é como se você fosse chamar um Uber Juntos pra fazer uma viagem intermunicipal.

Assim como nem sempre você vai encontrar pessoas que estejam indo na mesma direção que você no Uber Juntos, pra viagem no Buser rolar você precisa encontrar um grupo disponível na data e no destino que você quiser, o que nem sempre vai acontecer. Imagino que nas capitais seja mais tranquilo - São Paulo e Rio, por exemplo, têm ônibus todos os dias - mas para o interior, como é o meu caso, só encontrei viagens sexta, domingo e terça, num único horário. Não precisa lotar o ônibus, mas quanto mais gente confirmada, mais barata a viagem fica.

"Ai mas é barato mesmo?"

Minha viagem de São Paulo (SP) para Uberlândia (MG) pelo Buser saiu por R$119,00 o trecho, num ônibus leito. Numa viação tradicional, como a Rode Rotas, esse trajeto sairia por R$207,77 (leito) ou R$149,72 (executivo), o que é razão suficiente pra pegar em armas. Além disso, a primeira viagem de Buser sai por R$10 (sim) e a cada amigo convidado você ganha R$10 de desconto em viagens futuras, as famosas BUSEDAS BUEDAS. Não acredito que não tinha ninguém na sala pra pensar num nome melhor que esse.

Economizar dinheiro é sempre bom, mas a maior vantagem do Buser pra mim veio pelo conforto mesmo. Veja bem, meu caráter foi moldado por longas viagens interestaduais de ônibus. Quando era criança acompanhava minha avó nas colônias de férias da terceira idade ou quando ela viajava para visitar meus primos no estado de São Paulo, sempre de ônibus; já fiz viagens que duraram quase 20 horas em ônibus da universidade e lembro delas como ótimas experiências; ano passado eu viajava quase toda semana. Se eu pudesse escrever qualquer livro já escrito, numa perspectiva realista, acho que escreveria O Livro Amarelo do Terminal, da Vanessa Barbara, sobre a rodoviária do Tietê.

Quase tudo que alguém pode viver dentro de um ônibus eu já vivi, e ainda assim tenho mais medo de viajar de avião do que de ônibus, mesmo que todas as estatísticas digam o contrário. Só que eu ando de saco cheio.

Primeiro, os preços: com as taxas, uma viagem para Uberlândia (MG) custa mais de R$300,00 num ônibus executivo da pior qualidade que vai demorar de 7h a 12h (segundo estimativas do site) pra chegar ao seu destino. É oficialmente mais caro que uma viagem de avião, que dura 50 minutos, mas nem sempre consigo me planejar com a antecedência necessária para conseguir boas tarifas. Pra quem viaja muito o leito está fora de cogitação, então é uma viagem de 7h a 12h (na média, 10h) passando frio numa poltrona desconfortável que nem me cabe direito com a perspectiva de passar a noite em claro e perder duas horas no congestionamento da Anhanguera.


Sempre que começo a falar sobre a Rode Rotas

Com o Buser me senti viajando de primeira classe. Tem travesseiro, mantinha e uma cortininha separando as poltronas, que deitam bastante e estão a uma diferença razoável uma da outra, o suficiente para eu conseguir esticar minhas pernas compridas. Os assentos não são marcados, então recomendo chegar uns 40 minutos mais cedo para garantir as poltronas individuais. Além da segurança de saber que não tem um homem do seu lado, a privacidade é útil para quem emenda compromissos e vai direto viajar: tirei a maquiagem, passei meus cremes e ainda consegui tirar o sutiã por dentro da roupa sem maiores constrangimentos.

O wi-fi prometido, pelo menos no ônibus que peguei, só funciona no perímetro urbano (kkk) e até tem tomada pra colocar o carregador, mas elas ficam numa estrutura fixa no fundo do veículo. Pra mim um dos principais atrativos de longas viagens de ônibus é ter a chance de passar horas incomunicável, sem ninguém me encher o saco, de modo que isso pra mim é mais uma vantagem oferecida pelo Buser.

Dentro do Buser (acervo pessoal)

Outra grande vantagem é o tempo: no Buser, a duração prevista para a viagem é de 9h, mas nas duas viagens que fiz ele chegou em 7h. Esse é o tempo para esse trajeto numa viagem de carro, perfeitamente razoável para um percurso de cerca de 600 km.

Em São Paulo, o Buser sai de um estacionamento na rua Voluntários da Pátria, perto do terminal do Tietê. Se você vai de metrô até a rodoviária são uns cinco minutos andando e até eu que sou idiota achei fácil sem me perder. No entanto, se você é uma mulher viajando sozinha, fazer esse caminho à noite não é a experiência mais tranquila do mundo. Como disse, a chegada estava prevista para às 6h, mas o ônibus chegou às 4h, e a rua Voluntários da Pátria é um lugar onde você definitivamente não quer estar às quatro da manhã. Consegui chamar um Uber ainda na marginal e quando desci ele já estava lá, o que é uma boa alternativa (vale colocar o relógio pra despertar), e também é possível combinar com os outros passageiros de todos irem juntos até o Tietê, que foi o que as pessoas fizeram.

Como não contava com essa rapidez, na ida aconteceu comigo a pior coisa que pode acontecer com alguém: esqueci os fones de ouvido na poltrona. Isso só rolou porque o ônibus também chegou antes do horário previsto (às 4h30 da manhã) e eu estava dormindo tão profundamente que desci sem entender o que estava acontecendo. Numa viagem da viação Rode Rotas, 4h30 da manhã costuma ser o horário em que estou num Graal da BR 050 questionando as minhas decisões de vida, ainda dentro do estado de São Paulo, então vou considerar tudo isso como ponto positivo apesar dos fones (RIP).

Nem lembro a última vez que realmente dormi num ônibus antes do Buser.


Quando contei pra minha mãe ela achou que eu tava metida com ônibus clandestino, mas segundo levantamento do veículo TechTudo o Buser faz parcerias com empresas de ônibus regulares, que pagam ao aplicativo uma comissão, e é assim que o esquema se sustenta. Segundo o site, "a companhia também se responsabiliza pela qualidade dos veículos contratados – os transportes precisam passar por uma auditoria para fazer parte da plataforma. Itens como idade do veículo e histórico de manutenção dos ônibus são avaliados."

A parte que não contei pra minha mãe é que a viagem inteira é feita com um único motorista, que viaja sozinho*, e ele não parecia muito preocupado em conferir a identidade dos passageiros na hora de embarcar. Esses foram os aspectos que me deixaram mais cabreira, mas como já estava lá mesmo fiz a única coisa que poderia fazer no momento: fingi demência e entreguei pra Deus.

O ônibus partiu pontualmente às 21h02 e foi bonito ouvir todas as pessoas no celular avisando que o ônibus estava saindo, tava tudo certinho, a empresa existia mesmo e não era uma emboscada. Aquele sentimento de comunhão que nos une nesse mundo frio, hostil e cheio de picaretagens, em que tudo aquilo que é bom demais parece só uma forma mais sofisticada de golpe. Na maioria das vezes é isso mesmo, mas seguimos. Repetiria a experiência.

8/10

* Edit: A Iris Figueiredo (que inclusive foi a pessoa que me apresentou o Buser, obrigada Iris!) contou que nas viagens que fez entre São Paulo e Rio de Janeiro o ônibus ia com dois motoristas, diferente do que acontecia quando ela pegava uma viação normal. O trecho São Paulo (SP) e Uberlândia (MG) costuma ter dois motoristas na rodoviária ou então troca no meio do caminho, ou seja, não tem como saber.

Errata: Sei lá como, mas no dia que escrevi esse post li BUSEDAS no lugar de BUEDAS. A moeda fictícia do aplicativo Buser se chama BUEDAS e não BUSEDAS. Peço perdão pela confusão.

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