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segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

Ideias para adiantar o fim do mundo: uma retrospectiva de experiências paulistanas

A coisa mais distópica que vi em São Paulo esse ano foi o Largo da Batata ("Potato Square") vazio exceto por uma porção de entregadores dos aplicativos Rappi, iFood e Uber Eats esperando pela próxima corrida. Era uma noite de domingo e depois soube que aquele havia sido o dia mais frio do inverno em 2019, o que talvez explique a completa falta de movimento num lugar que costuma ser tomado por jovens bebendo Corote Sabores™ nos fins de semana.

Não satisfeita em estar na rua no dia mais frio do ano, eu estava em um date no dia mais frio do ano, e o Largo da Batata ("Potato Square") era nosso último destino desesperado depois de encontrarmos alguns bares fechados e de sermos expulsos de outros dois que resolveram fechar mais cedo por causa do frio. Andar por uma São Paulo vazia naquela noite de domingo foi como andar por uma São Paulo do mundo invertido, foi uma falha na Matrix da metrópole, eu e aquele garoto uma espécie de sobreviventes de um apocalipse obviamente causado pela economia de inovação e o aquecimento global.

Terminamos a noite dando uns amassos no sofá da Void, também vazia. Foi minha primeira e até agora única experiência na Void General Store e não posso reportar muito do local, pois não consumimos nada. Pouco antes da meia-noite um garçom começou a limpar a garganta perto de onde estávamos, assim como fazem nos filmes, e avisou que eles estavam fechando. Nós ficamos encostados na parede rindo e soltando fumaça pela boca achando graça daquele Largo da Batata ("Potato Square") deserto enquanto esperávamos nosso Uber chegar.

Se eu fosse escrever uma ficção científica sobre nossos tempos essa definitivamente seria a cena de abertura. No cenário pós-apocalíptico, restam as baratas, os aplicativos e os jovens que só querem um lugar tranquilo pra se pegar.

Sofá da Void General Store: 10/10

Largo da Batata ("Potato Square") - (Foto: Moacyr Lopes Junior - Folhapress)

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A segunda coisa mais distópica que aconteceu comigo em São Paulo foi ser abordada por um gringo oferecendo drogas na saída da estação Eucaliptos da Linha 5 - Lilás do metrô.

Andar na Linha 5 - Lilás do metrô já é, em si, uma experiência distópica. Para começar, ela é lilás. As pastilhas que decoram a estação são lilases, os trens têm detalhes em lilás, o ar-condicionado é sempre muito frio, do tipo que deixa nossa unha meio lilás. Depois, ela fica tão embaixo da terra que o celular não pega de jeito nenhum, um tipo de isolamento que nenhuma outra linha proporciona e que surge como uma surpresa nos nossos tempos de hiperconectividade graças ao advento das redes sociais.

A saída da estação Eucaliptos, que faz parte da Linha 5 - Lilás do metrô, dá para um pátio de concreto que também é majoritariamente habitado por entregadores dos aplicativos RappiiFood e Uber Eats, mas que sempre parece vazio e quieto de um jeito estranho, principalmente porque está localizada em frente à sempre movimentada Avenida Ibirapuera e ao shopping Ibirapuera. "Estranho", no entanto, não é um conceito estranho para a zona sul de São Paulo, por onde passa a Linha 5 - Lilás do metrô, e para a cidade de São Paulo, de modo geral.

Nesse dia, enquanto esperava minha amiga Clara sentada em uma mureta do pátio, um homem se aproximou e disse algo que não entendi bem porque estava de fones. Quando desliguei a música percebi que não entendia direito o que ele estava dizendo porque ele não falava português, mas algo entre português e espanhol com o sotaque muito carregado. Ele disse que eu era muito bonita e me convidou para fumar com ele e outro amigo que estava sentado adiante. Então minha mãe tinha razão, as pessoas realmente faziam isso.

Recusei e agradeci do jeito mais firme que consegui, ele insistiu e disse que eles só queriam fumar e conversar; recusei de novo, então ele tirou do bolso um beck muito bem bolado e quis me dar de presente, porque eu era muito bonita. Eu estava usando uma calça de moletom cor-de-rosa e uma camiseta da Beyoncé. Recusei meio sem acreditar que aquilo estava realmente acontecendo e quando ele se afastou o segurança da estação Eucaliptos apareceu pra perguntar se estava tudo bem. Disse que sim e ele fingiu não ver aqueles gringos - brancos - fumando um às 16h.

Infelizmente me senti muito descolada por vivenciar essa lenda urbana, enfim cool o bastante para alguém me oferecer drogas na rua.

Anna Vitória: 2/10

Estação Eucaliptos - (Foto: Wikipedia)

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A terceira coisa mais distópica que aconteceu não só comigo, mas com a cidade de São Paulo de modo geral, foi o surgimento do Méqui 1000 da Avenida Paulista.

"É um McDonalds. Num casarão antigo onde ficava um banco. No meio da Paulista.", foi a descrição que minha amiga Anacê usou para definir o local e também para me convencer de visitá-lo, o que foi uma estratégia muito eficiente da parte dela.

O Méqui 1000, localizado no número 1811 da Avenida Paulista, é a milésima unidade da franquia no Brasil, onde está há 40 anos. Segundo apuração da editoria especializada Mídia e Marketing do Uol, "a loja pode ser considerada um piloto do 'McDonald's do futuro'", um novo ponto turístico para a cidade com capacidade para 300 pessoas sentadas, área verde, espaço para shows e eventos especiais, bicicletário, totens de autoatendimento e funcionamento 24h. Sem ironia alguma, João Branco, diretor de marketing do McDonalds no Brasil, declarou: "[O Méqui 1000] É quase uma propaganda de televisão, não um restaurante".

Enfim chegamos no futuro e ele se parece com a cidade de Pawnee. Pensando em fazer algo legal para encerrar o primeiro ano de Trash Advisor, eu e Anacê decidimos almoçar no Méqui 1000 num sábado desses.


Fachada do Méqui 1000 (Foto - Acervo pessoal)

De fato toda a experiência Méqui 1000 parece feita sob medida para ser reportada nesse veículo. A ideia para esse blog surgiu nos meus primeiros meses em São Paulo, porque queria registrar as experiências esquisitinhas que se vive por aqui nesse momento esquisitaço do mundo quando você é uma pessoa com consciência social o suficiente para se perceber parte das contradições da sociedade de consumo moderna mas ainda não possui princípios o suficiente pra deixar de pedir delivery.

Eu não queria me acostumar com São Paulo ou com todas essas coisas - nem deixar de me incomodar com as coisas ruins, nem deixar de me deslumbrar com as coisas boas. Eu também andava meio triste, frustrada, e precisava me apropriar da cidade e da minha nova vida por aqui. Deu tão certo que não consegui mais arranjar tempo pra registrar essas experiências, mas queria retomar o projeto em 2020 tendo como objetivo o melhor efeito colateral que esses posts acabaram causando: me divertir escrevendo umas bobajadas pra fazer meus amigos rirem na internet. Isso significa que precisarei voltar ao Méqui 1000.

A verdade é que como acontece com muitos pontos turísticos e como a cidade de São Paulo de modo geral, a experiência no Méqui 1000 foi atrapalhada e talvez arruinada pelo hype do local. No dia que fomos o local estava tão cheio que foi difícil me concentrar na FRUIÇÃO daquele espaço e no tipo de imersão que ele propõe ao oferecer uma escultura de hambúrguer gigante pendurada no teto - em contraste com o piso de mármore e a escada do casarão, que parece um cenário de As Patricinhas de Beverly Hills - e um cardápio especial com 15 itens exclusivos.

As filas dos totens de autoatendimento se misturam umas com as outras e eventualmente se chocam com a fila das pessoas esperando seus pedidos e talvez esse tipo de caos seja o mais próximo que já cheguei de tentar fotografar a Monalisa. A melhor coisa que aconteceu na minha visita ao Méqui 1000 foi a competição que eu e minha amiga Anacê criamos de ver quem demorava menos tempo pra fazer o próprio pedido depois de passarmos uma boa meia hora vendo as pessoas se demorarem ao escolher a sobremesa e errando o próprio CPF na nota.



Pão de queijo burguer e McVeggie (Fotos - Acervo pessoal)

Quando me fez o convite para conhecer o Méqui 1000, minha amiga Anacê se propôs a experimentar o famigerado pão de queijo burguer, que é exatamente isso que vocês estão pensando. Eu comi um McVeggie pela primeira vez para ver se o McDonalds estava ignorando a corrida espacial do hambúrguer vegetal por uma boa causa - a resposta é não.

Na primeira mordida, Anacê disse que o pão de queijo era ruim, mas a ideia não era de todo errada e disse que tinha certeza que até o final da refeição ela estaria achando o pão de queijo burguer bom, que é basicamente a experiência de qualquer pessoa no McDonalds. No entanto, ao final ela só concluiu que era muito ruim mesmo e não havia salvação para aquela experiência.

O Méqui 1000 drenou minha energia vital de tal modo que perdi completamente a capacidade de elaborar qualquer observação engraçadinha e espirituosa sobre o local, eu só queria sair de lá. Eu e Anacê fomos embora tristes e com um pouco de azia e eu até esqueci do McFlurry Kit Kat de morango, outra especialidade local que gostaria de experimentar.

Fica então o sentimento de promessa não cumprida, mas o desejo sincero de voltar - esse, afinal, é o espírito desse veículo.

Estava certo Pedro Arbex, do veículo de negócios Brazil Journal, que encerrou sua reportagem sobre o Méqui 1000 da seguinte forma:

Na sexta, do lado de fora da loja, hordas de millennials paravam para observar a fachada e comentar o letreiro, onde se lia “Méqui 1000.” Quase todos tiravam fotos, antes de entrar e entregar parte do salário.

Se eu fosse transformar esse blog em livro, essa certamente seria a epígrafe.

Sei lá mein (Foto - Acervo pessoal)

Méqui 1000: 4/10

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