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sexta-feira, 27 de setembro de 2019

Borba Gata: A oitava maravilha do mundo

Apesar de todo o horror, toda crueldade, todo o sangue derramado, ouso dizer que os bandeirantes trouxeram o total de 01 (uma) coisa boa à História Mundial: o Borba Gato. Digo, não o Borba Gato, pessoa histórica que participou das Bandeiras, matou e escravizou indígenas, e ainda assassinou um fidalgo (???) e depois fugiu pro sertão de Minas Gerais. Tô falando da impávida e colossal estátua do Borba Gato, na entrada de Santo Amaro, na zona sul de São Paulo.

Impávido colosso (Autor desconhecido)

Muito se fala sobre a cidade de São Paulo. Os lugares escondidos no centro, os skatistas convivendo com os atores na Roosevelt, os lugares moderninhos de Pinheiros, os alternativos todos iguais da Vila Madalena, o orgulho da ZL, e agora ainda temos os homens adultos de terno dirigindo patinetes pelas áreas empresariais. Mas o que muitas vezes se perde em todos os comentários sobre essa cidade que não consegue aceitar o biscoito em seu coração é a gigantesca e confusa região de Santo Amaro.

A região que se tornou município independente em 1833, mas voltou a ser incorporada pela cidade de São Paulo em 1935. A região que mais teve imigrantes alemães da cidade, misturado a um fluxo pesado de migrantes nordestinos. Uma região com tanta gente, tanto comércio inexplicável, e tanto de tudo que é impossível descrever. Santo Amaro é uma experiência de vida. O distrito que abre a gigantesca zona sul de São Paulo (aka: o pescoço da girafa no mapa) e que é aberto pelo impávido Borba Gato.




"Uma obra indiscutivelmente 'kitsch', de gosto pra lá de duvidoso; mas, ainda assim, um ponto de referência para Santo Amaro.", diz Lilian Laub na caixa de comentários do veículo especializado São Paulo Antiga



Mas o que é a estátua do Borba Gato? Às vezes é difícil dizer, porque nos tira as palavras. Basicamente, é uma estátua de 10 (dez) metros - 13 (treze) metros, se considerarmos (e é impossível não considerar) o pedestal - e 20 (vinte) toneladas feita de pastilhas. Sim, isso mesmo, pastilhas. Criada pelo grande artista Júlio Guerra (menor ideia de quem é), que começou a construção no próprio quintal de casa (!!!!), a estátua de Borba Gato ainda causa controvérsias tanto por ser uma homenagem a um assassino explorador, quanto por ser horrível. Independente do motivo, vira e mexe, ela é pichada pelos jovens - e toda vez aparecem comentários ótimos, como os dessa matéria de 2013 do veículo especializado São Paulo Antiga que tomo emprestados pro blógue.


Noêmia M. Silva "deseja" um "ótimo" dia a "todos" (Fonte: São Paulo Antiga)



Como essa é uma coluna sobre Arte Feia, meu recorte deve ser apenas a estética da estátua. E, talvez, a primeira pergunta que devemos fazer é: o que faz a estátua do Borba Gato feia?



Primeiro, eu diria que as angulações existentes na obra. As dobras das botas, a gola da camisa, o nariz, o desenho da barba - tudo o que era pra ser dobra orgânica, mais arredondada e suave, é extremamente angular, pontudo e, honestamente, assustador. Junto a isso, vem também a questão da perspectiva. As mãos e braços imensos, as orelhas que sei lá eu, a espingarda, as botas que conseguem ser igualmente enormes e minúsculas. Tudo é fora de proporção de um jeito muito único. Como o trailer de Cats.

Depois tem os olhos inexpressivos e inexplicáveis. Aquelas duas bolas pretas como íris, o que quer que seja a versão de Júlio Guerra para os glóbulos brancos, a sobrancelha que acompanha o formato do olho e é diretamente ligada ao começo do nariz do Borba Gato. E, se você prestar atenção, se olhar de pertinho, você vai perceber que houve um cuidado real em deixar a pele em volta do olho mais saltada do que o olho em si, o que ainda não sei se é admirável ou apenas confuso.

Close errado kkkkk (Foto: São Paulo Antiga)

Em terceiro lugar, e talvez o mais importante, temos o fato absurdo de que essa estátua de 10 (DEZ) metros é feita inteiramente de pastilhas!!!!!!!1!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!1!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!11!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!1!!!!!!!!!!!!!!!!!1!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!11!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!1!!!!!!!!!1!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!11!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!1!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!1!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!1111!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!11!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!1!!!!!!!!!!!!!!!!!!!11!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!1111!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!11!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!111!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!11!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!1!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!1!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!1!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!11!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!1!!!!!!!!!!!!!!!!11

Agora, não contente com a escolha no mínimo corajosa de fazer uma estátua inteira de pastilhas, Júlio Guerra tomou a grandíssima decisão de usar pastilhas coloridas. Afinal, dessa maneira, podemos diferenciar o que é blusa, colete, cinto, bota, calça, chapéu, barba, sobrancelha e ainda as partes diferentes da espingarda que nosso bandeirante segura. E acho isso realmente justo, porque se não fosse pela diferenciação de cores, nenhum de nós provavelmente entenderia que os triângulos entre as mãos e as botas de Borba Gato são detalhes (dobras?) das calças que ele veste.

Também devo colocar aqui minha admiração por dois detalhes essenciais ao se pensar o uso das pastilhas. O primeiro é a atenção que fez com que o artista optasse ao colocar Borba Gato com uma camisa listrada. Uma escolha que não apenas demonstra parte da criatividade do artista, mas também traça um estilo, uma personalidade à sua criação. O segundo detalhe essencial é a sábia escolha de misturar cores de pastilhas, formando uma tez complexa (na medida do que pastilhas podem ser complexas) à estátua. Criando uma leve variação nas cores utilizadas em cada parte da obra, percebe-se a influência Impressionista e também a expertise do artista.

Agora, lembrem-se: essa é uma estátua de 10 (DEZ!!!!) metros. Feita inteiramente de pastilhas coloridas. Com ângulos bizarros. Não tem como não ser um impacto estético. E um desses horríveis. Especialmente porque não tem o menor contexto. É só uma estátua gigantesca largada no meio de uma avenida.

Heróis x Vândalos (Montagem: Clara Browne // Fotos: Laura Viana)



Mas isso não é tudo. A questão é também o que a maioria das pessoas se esquece o que vem junto à estátua de 10 (D E Z ! ! ! ! !) metros do Borba Gato.

Atrás da sua impávida figura do bandeirante existe a segunda parte da obra: uma caixa enorme e feia (e juro que essa é a melhor descrição possível) com quatro mosaicos também feitos inteiramente de pastilhas coloridas e, é claro, horrendos. Cada um dos mosaicos contém uma cena da região de Santo Amaro: o padre Anchieta, que aparentemente colou por lá; os colonos alemães e os trabalhadores da primeira fábrica local; a capela de Santo Amaro; um jesuíta e um poeta que ninguém conhece ou se importa em conhecer.

A aplicação da técnica Impressionista com pastilhas continua nessa segunda parte da obra, mas nota-se aqui mais referências às vanguardas do início do século XX. Nesses painéis, cabeças voam sem corpos pelo espaço como facilmente aconteceria em um quadro surrealista. Todos os rostos têm aquela carinha de que tiveram sua alma sugada, vibe que é construída não apenas pela escolha de figuras lânguidas e olhos sem íris como também pela mistura de de pastilhas azuis na composição das tez representadas e se assemelha a um quadro do Modigliani (o qual se dedicou apenas à arte que é feia), mas em pastilhas.

Cenas da Cidade (Colagem: Clara Browne, exclusiva para o Trash Advisor // Fotos: Acervo pessoal de Clara Browne)



Fica então a questão a que essa coluna se dedica: seria o monumento ao Borba Gato uma Arte Feia?

Para responder essa questão, preciso voltar a uma história pessoal, ao dia do aniversário de minha amiga Jumed no ano de 2017. Jumed, assim como eu, é uma entusiasta de Borba Gato (a arte, não a pessoa histórica), no entanto ela nunca o havia visto em pessoa, apesar de ser paulistana e ter morado em São Paulo a vida toda. Assim, querendo ao mesmo tempo presenteá-la e corrigir tamanho erro em sua historiografia, fui com ela e mais dois amigos entusiastas de Arte Feia visitar a estátua como comemoração de seu aniversário.

Quando chegamos ao local e vimos a estátua de 10 (D E Z ! ! ! ! ! !) metros em nossas frentes, todos nos emocionamos. Ficamos genuinamente FELISES, com s. Corremos pela região, nos afastamos para poder ver a figura em todo seu esplendor, um de nossos amigos, no raio de seu desespero, se jogou no pedestal tentando chegar aos pés de Borba Gato. Foi um sentimento único e belo. Admiramos todo o horror que estava diante dos nossos olhos com pura alegria. Estávamos entusiasmados.

A palavra entusiasmo vem do grego: sentir-se entre os deuses. E foi assim que nos sentimos ao ver aquele colossal homem de pastilhas. A estátua de Borba Gato nos proporcionou o sentimento de chegarmos mais próximos do Paraíso e, portanto, pode ser considerada Arte Feia.

Impactos (Montagem: Clara Browne // Fotos: Laura Viana)



No entanto, quando nos dirigimos à segunda parte da obra, a caixa com os painéis de pastilha, fomos do êxtase do Paraíso direto ao esmorecimento do Inferno. Vivemos a dor estética, a angústia do horror, os painéis nos transformaram em pura lamúria. Nossa alegria e nossa alma em si foram sugadas e não sobrou nada além da carcaça de quatro jovens agora tristes e melancólicos. A fotógrafa e amiga pessoa Laura Viana, inclusive, foi tomada pelo espírito do então prefeito, agora governador, João Dória, como vocês podem ver na imagem abaixo.

A fotógrafa Laura Viana tendo seu corpo tomado pelo espírito de João Dória por causa da tristeza que invadiu nossas almas (Foto: Cauê Fernandes, acervo pessoal de Clara Browne)

Concluímos assim que é impossível considerar o monumento inteiro uma Arte Feia, pois, como dito anteriormente, a Arte Feia deve, necessariamente, te deixar FELIS [nota da editora: com s]. Mas a estátua do Borba Gato em si, sem o caixote da tristeza, é e sempre será Arte Feia. Não à toa que, em 2007, quando estávamos tendo a votação da oitava maravilha do mundo, um grupo de visionários indicou o Borba Gato como candidato e, para isso, fez a melhor obra que o audiovisual já presenciou.

 


Depois dessa obra de arte, não resta mais nada a dizer. Vote Borba.


"O que seria bonito pra você, Renato????" (Fonte: São Paulo Antiga)





Clara Browne ainda não sabe o que ganhou do Borba Gato para oitava maravilha do mundo. Borba Gata é sua coluna para falar de Arte Feia e filosofias de botequim quando enjoar de tanta coisa feia. Você pode encontra-la no instagram @brownebrownie, no tuíter @BrowneBrownie, na sua newsletter ou na sua casa, mas essa aí fica pros íntimos.

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