1: 2: 3: 4: 5: 6: 7: 8: 9:

quarta-feira, 22 de maio de 2019

Não é sequestro nem tráfico de órgãos, é só o século XXI: minha viagem de Buser

Graças ao Twitter descobri a nova indústria que a precarização do trabalho no capitalismo tardio os millennials irão destruir: os ônibus de viagem. Semana passada viajei de Buser pela primeira vez.

"Viaje de ônibus com 60% de economia", essa é a promessa do aplicativo que conecta pessoas que vão viajar para o mesmo destino com empresas de ônibus de viagem executiva, o famoso FRETADO. Ah, a economia compartilhada! Ainda segundo o site: "Nossa tecnologia compartilhada e sustentável fomenta a mobilidade no Brasil, criando uma nova opção de transporte segura, de qualidade e a preços justos. Assim como já aconteceu no transporte privado por aplicativo nas cidades, é hora do transporte intermunicipal mudar para melhor. E para sempre."


Na prática, é como se você fosse chamar um Uber Juntos pra fazer uma viagem intermunicipal.

Assim como nem sempre você vai encontrar pessoas que estejam indo na mesma direção que você no Uber Juntos, pra viagem no Buser rolar você precisa encontrar um grupo disponível na data e no destino que você quiser, o que nem sempre vai acontecer. Imagino que nas capitais seja mais tranquilo - São Paulo e Rio, por exemplo, têm ônibus todos os dias - mas para o interior, como é o meu caso, só encontrei viagens sexta, domingo e terça, num único horário. Não precisa lotar o ônibus, mas quanto mais gente confirmada, mais barata a viagem fica.

"Ai mas é barato mesmo?"

Minha viagem de São Paulo (SP) para Uberlândia (MG) pelo Buser saiu por R$119,00 o trecho, num ônibus leito. Numa viação tradicional, como a Rode Rotas, esse trajeto sairia por R$207,77 (leito) ou R$149,72 (executivo), o que é razão suficiente pra pegar em armas. Além disso, a primeira viagem de Buser sai por R$10 (sim) e a cada amigo convidado você ganha R$10 de desconto em viagens futuras, as famosas BUSEDAS BUEDAS. Não acredito que não tinha ninguém na sala pra pensar num nome melhor que esse.

Economizar dinheiro é sempre bom, mas a maior vantagem do Buser pra mim veio pelo conforto mesmo. Veja bem, meu caráter foi moldado por longas viagens interestaduais de ônibus. Quando era criança acompanhava minha avó nas colônias de férias da terceira idade ou quando ela viajava para visitar meus primos no estado de São Paulo, sempre de ônibus; já fiz viagens que duraram quase 20 horas em ônibus da universidade e lembro delas como ótimas experiências; ano passado eu viajava quase toda semana. Se eu pudesse escrever qualquer livro já escrito, numa perspectiva realista, acho que escreveria O Livro Amarelo do Terminal, da Vanessa Barbara, sobre a rodoviária do Tietê.

Quase tudo que alguém pode viver dentro de um ônibus eu já vivi, e ainda assim tenho mais medo de viajar de avião do que de ônibus, mesmo que todas as estatísticas digam o contrário. Só que eu ando de saco cheio.

Primeiro, os preços: com as taxas, uma viagem para Uberlândia (MG) custa mais de R$300,00 num ônibus executivo da pior qualidade que vai demorar de 7h a 12h (segundo estimativas do site) pra chegar ao seu destino. É oficialmente mais caro que uma viagem de avião, que dura 50 minutos, mas nem sempre consigo me planejar com a antecedência necessária para conseguir boas tarifas. Pra quem viaja muito o leito está fora de cogitação, então é uma viagem de 7h a 12h (na média, 10h) passando frio numa poltrona desconfortável que nem me cabe direito com a perspectiva de passar a noite em claro e perder duas horas no congestionamento da Anhanguera.


Sempre que começo a falar sobre a Rode Rotas

Com o Buser me senti viajando de primeira classe. Tem travesseiro, mantinha e uma cortininha separando as poltronas, que deitam bastante e estão a uma diferença razoável uma da outra, o suficiente para eu conseguir esticar minhas pernas compridas. Os assentos não são marcados, então recomendo chegar uns 40 minutos mais cedo para garantir as poltronas individuais. Além da segurança de saber que não tem um homem do seu lado, a privacidade é útil para quem emenda compromissos e vai direto viajar: tirei a maquiagem, passei meus cremes e ainda consegui tirar o sutiã por dentro da roupa sem maiores constrangimentos.

O wi-fi prometido, pelo menos no ônibus que peguei, só funciona no perímetro urbano (kkk) e até tem tomada pra colocar o carregador, mas elas ficam numa estrutura fixa no fundo do veículo. Pra mim um dos principais atrativos de longas viagens de ônibus é ter a chance de passar horas incomunicável, sem ninguém me encher o saco, de modo que isso pra mim é mais uma vantagem oferecida pelo Buser.

Dentro do Buser (acervo pessoal)

Outra grande vantagem é o tempo: no Buser, a duração prevista para a viagem é de 9h, mas nas duas viagens que fiz ele chegou em 7h. Esse é o tempo para esse trajeto numa viagem de carro, perfeitamente razoável para um percurso de cerca de 600 km.

Em São Paulo, o Buser sai de um estacionamento na rua Voluntários da Pátria, perto do terminal do Tietê. Se você vai de metrô até a rodoviária são uns cinco minutos andando e até eu que sou idiota achei fácil sem me perder. No entanto, se você é uma mulher viajando sozinha, fazer esse caminho à noite não é a experiência mais tranquila do mundo. Como disse, a chegada estava prevista para às 6h, mas o ônibus chegou às 4h, e a rua Voluntários da Pátria é um lugar onde você definitivamente não quer estar às quatro da manhã. Consegui chamar um Uber ainda na marginal e quando desci ele já estava lá, o que é uma boa alternativa (vale colocar o relógio pra despertar), e também é possível combinar com os outros passageiros de todos irem juntos até o Tietê, que foi o que as pessoas fizeram.

Como não contava com essa rapidez, na ida aconteceu comigo a pior coisa que pode acontecer com alguém: esqueci os fones de ouvido na poltrona. Isso só rolou porque o ônibus também chegou antes do horário previsto (às 4h30 da manhã) e eu estava dormindo tão profundamente que desci sem entender o que estava acontecendo. Numa viagem da viação Rode Rotas, 4h30 da manhã costuma ser o horário em que estou num Graal da BR 050 questionando as minhas decisões de vida, ainda dentro do estado de São Paulo, então vou considerar tudo isso como ponto positivo apesar dos fones (RIP).

Nem lembro a última vez que realmente dormi num ônibus antes do Buser.


Quando contei pra minha mãe ela achou que eu tava metida com ônibus clandestino, mas segundo levantamento do veículo TechTudo o Buser faz parcerias com empresas de ônibus regulares, que pagam ao aplicativo uma comissão, e é assim que o esquema se sustenta. Segundo o site, "a companhia também se responsabiliza pela qualidade dos veículos contratados – os transportes precisam passar por uma auditoria para fazer parte da plataforma. Itens como idade do veículo e histórico de manutenção dos ônibus são avaliados."

A parte que não contei pra minha mãe é que a viagem inteira é feita com um único motorista, que viaja sozinho*, e ele não parecia muito preocupado em conferir a identidade dos passageiros na hora de embarcar. Esses foram os aspectos que me deixaram mais cabreira, mas como já estava lá mesmo fiz a única coisa que poderia fazer no momento: fingi demência e entreguei pra Deus.

O ônibus partiu pontualmente às 21h02 e foi bonito ouvir todas as pessoas no celular avisando que o ônibus estava saindo, tava tudo certinho, a empresa existia mesmo e não era uma emboscada. Aquele sentimento de comunhão que nos une nesse mundo frio, hostil e cheio de picaretagens, em que tudo aquilo que é bom demais parece só uma forma mais sofisticada de golpe. Na maioria das vezes é isso mesmo, mas seguimos. Repetiria a experiência.

8/10

* Edit: A Iris Figueiredo (que inclusive foi a pessoa que me apresentou o Buser, obrigada Iris!) contou que nas viagens que fez entre São Paulo e Rio de Janeiro o ônibus ia com dois motoristas, diferente do que acontecia quando ela pegava uma viação normal. O trecho São Paulo (SP) e Uberlândia (MG) costuma ter dois motoristas na rodoviária ou então troca no meio do caminho, ou seja, não tem como saber.

Errata: Sei lá como, mas no dia que escrevi esse post li BUSEDAS no lugar de BUEDAS. A moeda fictícia do aplicativo Buser se chama BUEDAS e não BUSEDAS. Peço perdão pela confusão.

>> Esse post não é um publieditorial, mas se você se cadastrar no Buser através do meu link eu ganho R$10 em BUSEDAS BUEDAS para viagens futuras, garantindo visitas regulares ao meu poodle, manutenção de sotaque mineiro e experiências em postos de beira de estrada que podem ser compartilhadas aqui. Ajude essa influencer de baixo orçamento e se cadastre na plataforma mesmo se não for viajar: Clique aqui!


sábado, 18 de maio de 2019

Juntos e Shallow now: versão brasileira é tudo de bom

A coisa mais insuportável da internet essa semana foram as pessoas rasgando o cu por conta da notícia que Paula Fernandes e Luan Santana vão lançar uma versão nacional da canção "Shallow", trilha de Nasce Uma Estrela, originalmente interpretada por Lady Gaga e Bradley Cooper. Horrível estar em situação de defender Paula Fernandes, mas a música é brega desde a sua primeira versão e nasceu pra isso (tumdumtss), ou seja, agora a coisa só tende a melhorar. Diferente do que aconteceu com o filme, com essa nova canção finalmente teremos um motivo para sorrir.

Tudo bem que a tradução "Juntos e shallow now" pegou todo mundo de surpresa, mas esse tipo de versão não deveria ser novidade para quem mora no Brasil, já que isso é feito desde a Jovem Guarda (fonte: o caso mais antigo que consegui lembrar de cabeça) e Sandy & Junior não estaria aí lotando estádio com ingresso de R$300 se não fosse a Laura Pausini e a Celine Dion.

http://twitter.com

Como bem disse Chico Barney em tweet profético, essa versão brasileira é propriedade moral da dupla e aposto que eles conseguiriam dobrar o tamanho da turnê se "Shallow" fosse o hit do retorno. Felizmente temos aí 20 anos de carreira para fazer um resgate das melhores e mais improváveis versões brasileiras imortalizadas (spoiler!) pelos irmãos que fizeram carreira interpretando canções românticas numa época em que ninguém achava isso estranho.

Com a ajuda do Twitter e dessa playlist preciosa da Ju Gaspar, selecionei alguns destaques entre versões brasileiras by Sandy & Junior e como bônus coloquei alguns grandes momentos internacionais da música muito popular brasileira.


quarta-feira, 15 de maio de 2019

Então eu vi o filme do Capitão América

Minha vida se divide entre Antes do Perfil do Chris Evans na GQ (APCCEGQ) e Depois do Perfil do Chris Evans na GQ (DPCEGQ). O texto é de 2011, mas só chegou até mim em 2016, e Antes do Perfil do Chris Evans na GQ eu achava que o Chris Evans era apenas um Chris no meio do mar de homens brancos e fortes de olhos azuis que Hollywood nos oferece. Também nunca me interessei pelo Capitão América porque sempre achei o discurso nacionalista muito cafona, um julgamento que fiz do personagem com base no seu nome, no uniforme, e no síndico do prédio em que meu pai morava.

Explico: o síndico do prédio que meu pai morava era militar, e além da farda ele realmente vestia a identidade de síndico de prédio. Essa informação foi suficiente pra que meu pai começasse a chamar o síndico de Capitão América pelas costas, e foi suficiente pra que eu associasse o Capitão América, o herói Capitão América, a essa narrativa de síndico de prédio e à síndrome do pequeno poder que vem com o cargo.

Pensando bem, o que é o americanismo se não uma síndrome de síndico de prédio do resto do mundo? Divago...

Proibido som alto depois das 22h
O perfil do Chris Evans na GQ, escrito pela Edith Zimmerman, oferece tudo que uma boa história precisa: tensão sexual, palhaçadinhas, pessoas bonitas e grandes confusões envolvendo uma matéria jornalística completamente irresponsável, tudo isso protagonizado por um homem que é um golden retriever humano. Esse parágrafo é melhor que todos os gibis já escritos.
"But in the days since my first interview with Chris Evans, I'd drunk myself under the table, snuck out of his house at five thirty in the morning, bummed a ride home off a transsexual, been teased mercilessly in front of his mother, and now—this bit in the paper. 
I don't remember touching his chest, which is too bad."
É a história de origem perfeita, o que eu precisava para sedimentar o mito Chris Evans na minha mente e no meu coração, e todo mundo sabe que é preciso um bom mito pra um herói existir.

Outro problema é que as pessoas no geral são PÉSSIMAS pra falar sobre filmes de herói. No caso do Capitão América era todo um papo sobre Segunda Guerra Mundial, patriotismo, vilão nazista megalomaníaco e, sinceramente, quem se importa? No entanto, preciso reconhecer que foi até bem esperta a decisão de ambientar o filme num momento histórico em que o inimigo é claramente outro, é como se o Capitão América fosse o Haddad no segundo turno.

O jeito certo de falar sobre Capitão América: O Primeiro Vingador é dizer que o que move o filme é a relação entre Steve Rodgers e seu melhor amigo, Bucky Barnes. O Capitão América só deixa de ser um instrumento de propaganda americana quando vai pra guerra salvar o Bucky. Essa é a história que fica.

I love boyfriends
Pode ser um desserviço interpretar como romântica qualquer relação afetiva mais explícita entre dois personagens masculinos, mas todas as tentativas de criar uma tensão sexual e romântica entre o Steve e a Agent Carter são tão forçadas nesse filme que quase escuto os roteiristas gritando "NO HOMO" enquanto escrevem as cenas. Depois do Perfil do Chris Evans na GQ, sabemos que o Chris Evans é aquela pessoa capaz de fazer com que qualquer interação pareça um flerte, não explorar isso em todas as frentes possíveis me parece um desperdício do potencial desse prolífico ator.
"I also didn't know how much I was supposed to respond; when I did, it sometimes felt a little like hitting on the bartender or misconstruing the bartender's professional flirting for something more. I wanted to think it was genuine, or that part of it was, because I liked him right away. 
Is this the part of a celebrity profile where I go into how blue the star's eyes are? Because they are very blue."

Vocês vão perceber que muitas das escolhas que faço na vida e depois venho relatar neste diário virtual acontecem porque eu estava triste e precisava de algo para me animar, e não foi diferente com a decisão de assistir Capitão América: O Primeiro Vingador  em abril de 2019. Quando o primeiro filme dos Vingadores chegou aos cinemas eu tinha 18 anos, 2012 era um outro plano astral, e era fácil descartar o Capitão América como um mocinho básico e desinteressante. Lembra quando a gente gostava de anti-heróis? kkk

Sete anos depois acho que não tem nada mais radical do que um herói de coração bão e que quer fazer do mundo um lugar melhor. Depois do Perfil do Chris Evans na GQ eu vi que isso podia ser muito sexy também, e é isso que importa no fim das contas.

7/10