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sexta-feira, 10 de maio de 2019

Todos os bons cachorros-quentes vão pro inferno

Não tenho interesse em falar aqui sobre minha relação filosófica e política com o veganismo, mas é importante que vocês saibam que minha família em São Paulo é vegana e eu estou num lento e errático processo de transição que será oficializado quando tiver coragem de assumir isso pra minha família extremamente mineira de Minas Gerais e quando eu sentir que comi toda a minha cota de queijo nessa vida. A gente tem que saber quais batalhas é capaz de lutar.

Na atual conjuntura tenho me permitido comer o que me traz alegria. Na maior parte das vezes, por questões filosóficas, políticas, intestinais, dermatológicas e porque quem tem cogumelo tem tudo nessa vida, uma alimentação vegana é o que tem me trazido alegria, mas tem dias que eu simplesmente preciso comer um cachorro-quente. Quarta-feira foi um desses dias.

A bordo do 80910-U Cidade Universitária - Metrô Barra Funda sempre passo por um carrinho de cachorro-quente próximo da Biblioteca Brasiliana, em frente a praça do Relógio Solar (fonte: divulgação). Depois de olhar o lugar com curiosidade algumas vezes, decidi descer duas paradas antes da minha pra ver qual era. O estabelecimento Big Dog, como o nome sugere, é especializado em cachorro-quente, mas também oferece açaí e mais algumas outras coisas que esqueci. Mas o importante aqui é o cachorro-quente.

(Fonte: acervo pessoal)

O diferencial do estabelecimento Big Dog, como pude notar nas duas vezes em que estive lá, é a possibilidade de substituir o clássico pão de cachorro-quente pelo pão de baguete. Eles cobram uns R$2,00 a mais por isso (valor aproximado), mas faz muita diferença no resultado final. Ouso dizer que a mágica do estabelecimento Big Dog está nesse pão de baguete com parmesão. Também é possível colocar salsichas adicionais por R$1,50 cada (valor aproximado), e acredito que duas salsichas seja a medida ideal se você estuda à noite e, assim como eu, se pega no limiar horrível de antes-da-aula-é-muito-cedo-pra-jantar-mas-se-eu-só-comer-um-lanche-básico-vou-morrer-de-fome-antes-das-21h.

Também é importante que vocês saibam que me considero uma minimalista gastronômica, o que significa que odeio TRENHEIRA (do mineirês: muitos trens, muita coisa, muita informação) na comida. Embora o estabelecimento Big Dog ofereça uma vasta gama de possibilidades de recheio para o cachorro-quente (cheddar, catupiry, milho, ervilha, vinagrete, purê de batata, ketchup, maionese, mostarda, queijo ralado e batata palha), o meu é sempre basiquinho: duas salsichas, ketchup, maionese, mostarda e batata palha. Sinto que o tiozinho fica um pouco chateado diante das minhas sucessivas recusas ("Cheddar?" não, obrigada; "Catupiry?" não, obrigada; "Vinagrete?" não, obrigada, só os molhos e batata palha; "E queijo ralado?" também não, obrigada), mas não é pessoal.

A simpatia desse tiozinho e das outras pessoas que trabalham no estabelecimento Big Dog é outro ponto forte do local, um dia eu vou aceitar o purê de batata só pra ver esse homem sorrir. Em breve pesquisa no Google descobri que o estabelecimento Big Dog é uma empresa familiar que existe há 40 anos na USP, "alimentando gerações". A página deles no Facebook é uma das poucas coisas puras que ainda existem naquela rede social e o Trash Advisor apoia essa causa.

(Fonte: divulgação)

Na minha última visita paguei R$16,50 (valor exato) pelo cachorro-quente + um doce pingo de leite. Não é exatamente barato, mas em São Paulo tudo é caro. Além de ser um lugar que vale a pena frequentar quando se busca aquele carinho estômago, o estabelecimento Big Dog vai além e oferece também um carinho na alma.

8/10

***

Como hoje é sexta-feira, gostaria de deixar vocês com uma #pensata. Pode parecer contraditório eu estar nessa jornada vegana e gostar tanto de cachorro-quente, mas a verdade é que o cachorro-quente é um dos pratos mais facilmente adaptáveis à dieta vegana sem perda de qualidade. A salsicha de origem animal é tão de mentira que é perfeitamente possível substituí-la por um troço igualmente artificial, mas sem proteína animal. O importante são os compostos químicos, o gostinho de césio-137 e a manutenção da tradição fast-food de oferecer um prato meio podrão e sem frescura. Não é o caso do que a maioria dos estabelecimentos faz, vendendo uma proposta gourmet e saudável, e essas pessoas estão erradas. Não faz parte do ethos do bom cachorro-quente ser saudável ou chique.

Devido ao desmonte das universidades públicas ontem eu também precisava muito comer um cachorro-quente e fui atrás dele no estabelecimento Fôrno, no centro de São Paulo. Na verdade eu queria mesmo era comer uma pizza, mas como meus amigos escolheram o hot-dog eu pedi também porque não queria passar vontade. Ele era minimalista do jeito que gosto, com linguiça especial apimentada na medida certa e uma mostarda muito gostosa. A quantidade insana de batata frita transforma isso numa refeição. Adorei, mas era um cachorro-quente de R$25,00 que não oferecia o tipo de emoção que busco quando como um cachorro-quente. Aí não.

(Fonte: acervo pessoal)

É engraçado como existe o mito de que toda alimentação é vegana é saudável. As pessoas descobrem que a bolacha Oreo é vegana como se isso fosse revolucionário, quando na verdade só significa que nada ali é natural ou provém do reino dos céus. Eu acredito nesse potencial do cachorro-quente vegano. Fica aí a reflexão.

You cover up is caving in
Man is such a fool, why are we saving him?
Poisoning themselves now
Begging for our help, wow

quinta-feira, 9 de maio de 2019

809U-10 Cidade Universitária - Metrô Barra Funda

Descobrir a linha 809U-10 Cidade Universitária - Metrô Barra Funda revolucionou a minha vida, o que faz dessa uma resenha completamente enviesada.

Nunca errou (só às vezes)

Teoricamente eu moro perto da USP: são 20 minutos de carro nas condições ideais de temperatura e pressão (CNTP) - a saber, fora do horário de pico, sem chuva ou qualquer outra hecatombe do tipo (guardar para referências futuras). A graça de morar em São Paulo é que esse trajeto de 20 minutos vira fácil uma viagem de uma hora e meia se você pega dois ônibus e faz uma baldeação de metrô, que era o meu percurso antes de descobrir a linha 809U-10 Cidade Universitária - Metrô Barra Funda.

Não é como se essa linha fosse um segredo de estado, mas é que eu tenho muita dificuldade de pegar ônibus em São Paulo porque ou não encontro o ponto certo ou pego o ônibus no sentido errado umas duas vezes até aprender. Só que esse negócio de dois-ônibus-e-uma-baldeação-de-metrô-uma-hora-e-meia-até-chegar-em-casa estava acabando com a minha vida, então resolvi me empoderar e explorar as possibilidades oferecidas pela Secretaria Municipal de Mobilidade e Transportes da cidade de São Paulo (SPTrans).

No primeiro dia que decidi ir pra faculdade com o 809U-10 Cidade Universitária - Metrô Barra Funda eu quase peguei o ônibus no sentido errado e fui me dar conta disso quando vi o ônibus certo passando do outro lado da rua e me deixando pra trás. Foi aí que descobri o único defeito dessa linha: o  809U-10 Cidade Universitária - Metrô Barra Funda demora. Demora bem mais que o intervalo de 15 minutos entre um ônibus e outro que o aplicativo Moovit prevê. O Moovit, aliás, é completamente inútil quando se trata do 809U-10 Cidade Universitária - Metrô Barra Funda, de modo que ter esse ônibus na sua rotina também é um excelente aprendizado, um chamado para abrir mão do controle e simplesmente confiar no universo. 

Eu já passei 50 minutos esperando o 809U-10 Cidade Universitária - Metrô Barra Funda em condições ideais de temperatura e pressão. Eu já quase fui atropelada algumas vezes ao atravessar correndo a Avenida Pompéia porque vi o 809U-10 Cidade Universitária - Metrô Barra Funda se aproximando do ponto do outro lado da rua. Mas o foda é que ele é lindo: a bordo do 809U-10 Cidade Universitária - Metrô Barra Funda eu chego na USP em meia hora.



Além disso, nesse trajeto de ida dá pra ir sentada quase sempre, um dos pontos que mais valorizo na minha rotina de transporte público. E digo mais: se o trajeto do 809U-10 Cidade Universitária - Metrô Barra Funda demorasse uma hora e meia e o rolê dois-ônibus-e-uma-baldeação-de-metrô fosse de meia hora, eu provavelmente escolheria o 809U-10 Cidade Universitária - Metrô Barra Funda só porque gosto muito de ficar sentada olhando a cidade pela janela. Tempo de qualidade.

No trajeto de volta, que costumo fazer no fim do dia - ou seja, longe das condições ideais de temperatura e pressão - costuma ser mais difícil encontrar um lugar vazio pra sentar, mas a maioria das pessoas desce no metrô Vila Madalena. Dentro da USP ele costuma passar em intervalos mais curtos até que os 15 minutos previstos pelo aplicativo Moovit, ou talvez eu só tenha dado sorte na semana passada. Andar no 809U-10 Cidade Universitária - Metrô Barra Funda é uma jornada de serendipidade.

8/10

terça-feira, 7 de maio de 2019

A ideia de começar um blog em 2019

Não era pra ser tão difícil.

Escrevo na internet há mais de 10 anos e em algum momento começaram a me levar a sério. Não sou especial nem nada, mas é que hoje em dia todo mundo leva tudo muito a sério, as pessoas se levam a sério demais. Escrever na internet me deu alguma ideia do que fazer da vida, um projeto pessoal que amo, alguns empregos, muitos amigos, rolos e romances, madrugadas insones e um tema de pesquisa que é a minha vida agora, mas escrever na internet às vezes me deixa com vontade de nunca mais escrever ou existir na internet. Eu tenho me levado muito a sério.


Quando comecei meu primeiro blog a ideia era falar sobre coisas que eu gostava muito, mas meus amigos não ligavam. Hoje em dia tenho a chance de escrever sobre os artistas que mais gosto e passar horas falando sobre o final de Mad Men sabendo que existem pessoas interessadas em ouvir, e isso é muito legal, mas ando cansada de transformar tudo que consumo em Conteúdo, fazendo da minha vida uma commodity na forma de Experiência que vai virar dinheiro na mão de grandes empresas, e que só vai me render uma crise de ansiedade quando alguém resolver usar o que escrevi pra dizer que sou uma pessoa ruim.

Talvez começar um blog seja só um jeito despretensiosamente pretensioso ou insuportavelmente ingênuo de seguir essa mesma lógica, mas é algo que quero tentar. Eu ainda trabalho com marketing digital, tiro 30 fotos iguais da minha cara até achar uma boa, estou lendo uma lista de referências que inspiraram o último disco do Vampire Weekend, compro água tônica orgânica rosé e queria uma mochila Kanken igual todo mundo, mas essa não é a minha vida inteira e não é isso que quero compartilhar. Não é uma resistência ou manifesto de coisa alguma, é só uma coisa que inventei pra perder tempo na internet.


Esse blog é inspirado no meu tio que todos os dias descreve minuciosamente o que comeu no almoço, nos áudios gigantes que a Clara me manda com digressões inúteis sobre o caminho que fez até a faculdade, e em todas as pessoas que têm uma linha de ônibus do coração e sabem dizer o por quê. E também, é claro, no blog Minhas Refeição, que é provavelmente a minha coisa favorita em toda a internet. Minha ideia é falar sobre linhas de ônibus favoritas, fazer reviews de estações de metrô, listar os melhores estabelecimentos bar & lanches da cidade de São Paulo, compartilhar artes feias e trechos de música sem contexto. O nome, ideia da Clara, é uma homenagem a todas as pessoas que deixam suas opiniões no Trip Advisor e sites afins - vocês não fazem ideia da quantidade de maluco que tem lá.

Encerro esse texto de abertura com um trecho do "Poema em linha reta", do Álvaro de Campos, que diz de um jeito bonito tudo que sinto quando alguém me pede uma lista das lojas e brechós mais legais da cidade, um sentimento equivalente às personagens de Romy and Michele's High School Reunion pedindo um "business woman special" na lanchonete sem saber o que estão fazendo e o que aquilo significa.



"Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das
etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo."

(Sempre acho que esse poema é do Drummond)